E essa necessidade doentia de escrever.
Há quem vá ao médico quando se sente mal. Eu preciso escrever.
Hoje me dei conta de que cometi o mesmo erro quatro vezes em menos de seis meses. Isso faz com que me sinta decadente.
Existem nações inteiras, gerações de etnias, comunidades, sociedades e povos diversos espalhados pelo mundo cometendo o mesmo erro há séculos e não se sentem assim. O conflito no Oriente Médio, o PT, os programas de auditório são provas irrefutáveis de que o ser humano se apega ao que é incontestavelmente destrutivo.
“O desespero eu aguento. O que me apavora é essa esperança”. Frase do Millor Fernandes. Ele está certo. A esperança eterniza o conflito, legitima o PT, imortaliza o Sílvio Santos, acorrenta minhas mãos e me coloca repetidas vezes diante da mesma situação. E lá vou eu de novo, de cara limpa, viver a mesma história para depois me lembrar de que havia prometido a Deus e todos os demônios que dessa vez aprendi a lição. Mentira. Sabe aquele clichê que diz que a gente aprende com os erros? Comigo não funciona. É por isso que reluto em sorrir a cada atitude louvável do Obama. A gente se enche de esperança com um democrata aparentemente sensato, mas amanhã não se sabe...
Nessa tarde chuvosa, não há o que fazer. Só esperar que a chuva passe, que a semana passe, que o mês acabe... Que o Obama decepcione...
Fevereiro tem a prova da Residência multiprofissional. Eu até estudei.
Tem a formatura. Aquele vestido detestável, salto, maquiagem, penteado... Meu Deus, onde eu estava com a cabeça quando decidi participar desse circo? Já estou traumatizada antes mesmo do fato acontecer. E também já consegui contaminar todos os meus convidados com a minha raiva contra esse evento. Todos, menos a minha irmã, que me fala todos os dias sobre a grande noite e já provou quinze mil vestidos e não consegue se decidir por nenhum. Há tempos perdi o poder de persuasão sobre ela... preciso ir embora daqui. Até parece que é ela quem vai se formar...
Antes fosse. Ela saberia o que fazer com esse diploma.
Quatro vezes em menos de seis meses.
Voltei a me entupir de literatura. Eis algo que faço de misericordioso comigo. Estou na Rússia pré-revolução bolchevique em meio àquele povo miserável e degradado. Observo alguns cortiços, presencio brigas patéticas entre moradores, me espanto com o pauperismo e penso em Lênin... Tudo isso ao som de Miles Davis.
“Alguém se lembra de quando começou a ouvir Jazz?” Fiz essa pergunta aos amigos Joubert e Ricardo (pode ser que o Manga também já estivesse lá, não me lembro) na mesa do bar. Comecei a ouvir Jazz há pouco tempo e ainda estou indignada. Um dia li que Jazz é sensual – mas não é só isso. Miles Davis é obsceno! É um atentado violento ao pudor. Sobre Coltrane eu ainda não ouso falar nada. Deixem-me ouvir mais algumas vezes, mais algumas madrugadas russas, mais alguns erros...
O problema é que as músicas sempre se atrelam ao que estou vivendo. Por isso abandonei (temporariamente, espero) o que estive ouvindo nos últimos quatro meses. Meu TCC tem a cara da Elis do Jair e do Zimbo Trio e minha dor de amor tem a cadência do samba. Decidi deixar em paz minha memória afetiva e intelectual e descobrir músicas sem passado. Não sei como nem porque caí no Miles Davis, que me afaga com seu sax sem memória.
Descobri também o Leonard Cohen, por indicação do caro amigo Joubert. Aproveito para agradecer a dica. O músico canadense tem me falado sobre verdades que eu não gostaria de ouvir no momento – mas, So Long, Marianne é linda demais para que eu consiga evitar. Ouço suas verdades inconvenientes... Ah, também tem a Melissa Etheridge – I Need To Wake Up: “Now i am throwing off the carelessness of youth/To listen to an inconvenient truth”.
Gostaria de escrever sobre meus dias lindos e otimistas. Sobre as manhãs nas quais acordo maravilhosamente feliz e meu estômago finge que ama o café e o cigarro. Sobre as conversas com pessoas que me fazem rir até perder o ar... Mas não conheço as palavras que descrevem belas manhãs.
É o meu sentimento de decadência que me faz escrever.
É o meu erro cometido quatro vezes em menos de seis meses que me leva ao reino obscuro da escrita.
É o meu pavor da esperança que me põe no limbo da pretensão literária.
É natural: não sou escritora. Nem sei escrever. Quem escreve mesmo, escreve sobre qualquer coisa, qualquer tema, todo assunto, em qualquer estado de espírito... Por isso consegue viver do que faz.
Gostaria de saber escrever igual o Fernando Sabino. Não queria a cultura dos eruditos – somente a capacidade de colher no cotidiano os sorrisos e olhares dos quais nascem bons contos. Sinto uma inveja desgraçada de quem escreve bem.
Dia desses encontrei um cantinho aprazível na blogosfera: Puro & Obsceno. Comentei com alguma ênfase a qualidade da escrita e o teor comovente dos textos. O sujeito me achou exagerada. Espero algum dia conseguir entender porque sempre me ofendo se alguém me chama de exagerada. Já deveria ter me convencido do que sou. O Jean alguma vez me taxou de xiita? Não me lembro, mas penso que sim.
Mas o tal blog é ótimo – quem conhece sabe. E quem me conhece também sabe as razões da minha comoção diante da frase: “Às vezes quero mandar o amor ir tomar naquele lugar. Você não?”
Eu mando. Sempre! Manda-se até os sentimentos mais nobres, por que não mandaria a total corrupção biopsicossocial?
Defendo a teoria de alguém que eu não conheço de que xingar é altamente terapêutico. Inversamente ao comum, xingo mais quando estou me sentindo bem. Os palavrões escorrem dos meus lábios com tamanha ingenuidade, que muitos nem se dão conta do meu vocabulário chulo. É que quando estou bem sou razoavelmente espontânea.
Tenho é fases.
Li uma entrevista com a Linda Hamilton onde ela fala sobre seu transtorno bipolar. Fiquei um pouco inquieta, mas procurei esquecer isso. Afinal, a última coisa que preciso é me convencer de que possuo um transtorno mental com um nome desses e tão sério. Na verdade, de perto ninguém é sãozinho.
Deixa pra lá. Tenho meus altos e baixos.
E o fim do expediente que não chega nunca. Parece que faz um mês que estou aqui dentro, e que está chovendo e que olho para as mesmas pessoas que me fazem as mesmas perguntas e riem das mesmas bobagens... Tem alguém aqui fazendo palavras cruzadas.
Meu telefone toca e é alguém com quem eu não quero falar e que vai me dizer as palavras que eu já conheço e não quero ouvir. Entendo você, caro Millor – essa esperança me apavora também. Por que me ligam no horário de expediente se sabem que essa é uma desculpa perfeita para eu não atender?
A esperança me põe “comovida”. Os textos do tal blog também. Assim, com aspas mesmo... pois sou exagerada.
A covardia também. Comove-me ver pessoas que sempre ostentaram posturas de coragem e glória sendo aniquiladas pela insígnia do medo. E o inverso também acontece com bastante freqüência: os mais medrosos e apavorados descobrem-se guerreiros destemidos diante de incentivos insólitos. Mas isso já é assunto para outro dia.
Fim do expediente. Acendo um cigarro e vou para casa.
A polícia está perseguindo o visinho, tem um pandemônio logo ali na esquina.
O visinho é um moleque mirrado que espancou um policial forte e treinado. O inverso também acontece...
Mas isso também é outro assunto.
Até mais.
PS: Coincidência ou não – vi hoje essa foto que acompanha o post. Considerando as devidas proporções, me lembrei do visinho.
Há quem vá ao médico quando se sente mal. Eu preciso escrever.
Hoje me dei conta de que cometi o mesmo erro quatro vezes em menos de seis meses. Isso faz com que me sinta decadente.
Existem nações inteiras, gerações de etnias, comunidades, sociedades e povos diversos espalhados pelo mundo cometendo o mesmo erro há séculos e não se sentem assim. O conflito no Oriente Médio, o PT, os programas de auditório são provas irrefutáveis de que o ser humano se apega ao que é incontestavelmente destrutivo.
“O desespero eu aguento. O que me apavora é essa esperança”. Frase do Millor Fernandes. Ele está certo. A esperança eterniza o conflito, legitima o PT, imortaliza o Sílvio Santos, acorrenta minhas mãos e me coloca repetidas vezes diante da mesma situação. E lá vou eu de novo, de cara limpa, viver a mesma história para depois me lembrar de que havia prometido a Deus e todos os demônios que dessa vez aprendi a lição. Mentira. Sabe aquele clichê que diz que a gente aprende com os erros? Comigo não funciona. É por isso que reluto em sorrir a cada atitude louvável do Obama. A gente se enche de esperança com um democrata aparentemente sensato, mas amanhã não se sabe...
Nessa tarde chuvosa, não há o que fazer. Só esperar que a chuva passe, que a semana passe, que o mês acabe... Que o Obama decepcione...
Fevereiro tem a prova da Residência multiprofissional. Eu até estudei.
Tem a formatura. Aquele vestido detestável, salto, maquiagem, penteado... Meu Deus, onde eu estava com a cabeça quando decidi participar desse circo? Já estou traumatizada antes mesmo do fato acontecer. E também já consegui contaminar todos os meus convidados com a minha raiva contra esse evento. Todos, menos a minha irmã, que me fala todos os dias sobre a grande noite e já provou quinze mil vestidos e não consegue se decidir por nenhum. Há tempos perdi o poder de persuasão sobre ela... preciso ir embora daqui. Até parece que é ela quem vai se formar...
Antes fosse. Ela saberia o que fazer com esse diploma.
Quatro vezes em menos de seis meses.
Voltei a me entupir de literatura. Eis algo que faço de misericordioso comigo. Estou na Rússia pré-revolução bolchevique em meio àquele povo miserável e degradado. Observo alguns cortiços, presencio brigas patéticas entre moradores, me espanto com o pauperismo e penso em Lênin... Tudo isso ao som de Miles Davis.
“Alguém se lembra de quando começou a ouvir Jazz?” Fiz essa pergunta aos amigos Joubert e Ricardo (pode ser que o Manga também já estivesse lá, não me lembro) na mesa do bar. Comecei a ouvir Jazz há pouco tempo e ainda estou indignada. Um dia li que Jazz é sensual – mas não é só isso. Miles Davis é obsceno! É um atentado violento ao pudor. Sobre Coltrane eu ainda não ouso falar nada. Deixem-me ouvir mais algumas vezes, mais algumas madrugadas russas, mais alguns erros...
O problema é que as músicas sempre se atrelam ao que estou vivendo. Por isso abandonei (temporariamente, espero) o que estive ouvindo nos últimos quatro meses. Meu TCC tem a cara da Elis do Jair e do Zimbo Trio e minha dor de amor tem a cadência do samba. Decidi deixar em paz minha memória afetiva e intelectual e descobrir músicas sem passado. Não sei como nem porque caí no Miles Davis, que me afaga com seu sax sem memória.
Descobri também o Leonard Cohen, por indicação do caro amigo Joubert. Aproveito para agradecer a dica. O músico canadense tem me falado sobre verdades que eu não gostaria de ouvir no momento – mas, So Long, Marianne é linda demais para que eu consiga evitar. Ouço suas verdades inconvenientes... Ah, também tem a Melissa Etheridge – I Need To Wake Up: “Now i am throwing off the carelessness of youth/To listen to an inconvenient truth”.
Gostaria de escrever sobre meus dias lindos e otimistas. Sobre as manhãs nas quais acordo maravilhosamente feliz e meu estômago finge que ama o café e o cigarro. Sobre as conversas com pessoas que me fazem rir até perder o ar... Mas não conheço as palavras que descrevem belas manhãs.
É o meu sentimento de decadência que me faz escrever.
É o meu erro cometido quatro vezes em menos de seis meses que me leva ao reino obscuro da escrita.
É o meu pavor da esperança que me põe no limbo da pretensão literária.
É natural: não sou escritora. Nem sei escrever. Quem escreve mesmo, escreve sobre qualquer coisa, qualquer tema, todo assunto, em qualquer estado de espírito... Por isso consegue viver do que faz.
Gostaria de saber escrever igual o Fernando Sabino. Não queria a cultura dos eruditos – somente a capacidade de colher no cotidiano os sorrisos e olhares dos quais nascem bons contos. Sinto uma inveja desgraçada de quem escreve bem.
Dia desses encontrei um cantinho aprazível na blogosfera: Puro & Obsceno. Comentei com alguma ênfase a qualidade da escrita e o teor comovente dos textos. O sujeito me achou exagerada. Espero algum dia conseguir entender porque sempre me ofendo se alguém me chama de exagerada. Já deveria ter me convencido do que sou. O Jean alguma vez me taxou de xiita? Não me lembro, mas penso que sim.
Mas o tal blog é ótimo – quem conhece sabe. E quem me conhece também sabe as razões da minha comoção diante da frase: “Às vezes quero mandar o amor ir tomar naquele lugar. Você não?”
Eu mando. Sempre! Manda-se até os sentimentos mais nobres, por que não mandaria a total corrupção biopsicossocial?
Defendo a teoria de alguém que eu não conheço de que xingar é altamente terapêutico. Inversamente ao comum, xingo mais quando estou me sentindo bem. Os palavrões escorrem dos meus lábios com tamanha ingenuidade, que muitos nem se dão conta do meu vocabulário chulo. É que quando estou bem sou razoavelmente espontânea.
Tenho é fases.
Li uma entrevista com a Linda Hamilton onde ela fala sobre seu transtorno bipolar. Fiquei um pouco inquieta, mas procurei esquecer isso. Afinal, a última coisa que preciso é me convencer de que possuo um transtorno mental com um nome desses e tão sério. Na verdade, de perto ninguém é sãozinho.
Deixa pra lá. Tenho meus altos e baixos.
E o fim do expediente que não chega nunca. Parece que faz um mês que estou aqui dentro, e que está chovendo e que olho para as mesmas pessoas que me fazem as mesmas perguntas e riem das mesmas bobagens... Tem alguém aqui fazendo palavras cruzadas.
Meu telefone toca e é alguém com quem eu não quero falar e que vai me dizer as palavras que eu já conheço e não quero ouvir. Entendo você, caro Millor – essa esperança me apavora também. Por que me ligam no horário de expediente se sabem que essa é uma desculpa perfeita para eu não atender?
A esperança me põe “comovida”. Os textos do tal blog também. Assim, com aspas mesmo... pois sou exagerada.
A covardia também. Comove-me ver pessoas que sempre ostentaram posturas de coragem e glória sendo aniquiladas pela insígnia do medo. E o inverso também acontece com bastante freqüência: os mais medrosos e apavorados descobrem-se guerreiros destemidos diante de incentivos insólitos. Mas isso já é assunto para outro dia.
Fim do expediente. Acendo um cigarro e vou para casa.
A polícia está perseguindo o visinho, tem um pandemônio logo ali na esquina.
O visinho é um moleque mirrado que espancou um policial forte e treinado. O inverso também acontece...
Mas isso também é outro assunto.
Até mais.
PS: Coincidência ou não – vi hoje essa foto que acompanha o post. Considerando as devidas proporções, me lembrei do visinho.