terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Os Anjos


Aquele anjo velho voltou a me visitar a noite. Sentou-se no canto da minha cama com seu ar de profundo cansaço e me olhou dizendo que eu podia dormir tranqüila, que a loucura é mansa e que a vida ia passar bem de leve a partir de hoje... pra doer só um pouquinho.
Fiquei deprimida ao vê-lo tão cansado e ele me disse que o cansaço é todo meu, depois me contou que ele sempre vem assim, do jeitinho que eu estou, só pra me mostrar o que não quero ver. Pedi desculpas, abracei-o e disse que estava tentando.
Ele disse que eu podia chorar.
Fiquei emocionada e me senti infinitamente sozinha. Ele me explicou que todo mundo está só do lado de cá e que ele sempre soube, desde a hora que eu entrei naquele avião, que aquela história ia dar na merda que deu. Pedi desculpas de novo e ele sorriu, cansado.
Contei que quero fazer teatro e que o trabalho vai bem. Que dormi muitíssimo durante as férias e que tenho me sentido muito sem graça. Que vou começar a psicoterapia na segunda semana de março e que espero que isso dê um jeito nessa mania besta de ficar chorando por qualquer coisa.
Ele disse que eu deveria cortar os cabelos e que compôs um samba que eu vou amar. Pediu-me um cigarro, abriu a janela e ficou algum tempo olhando o céu.
Perguntei se tanta tristeza vai passar logo e ele não respondeu nada.
Depois, voltei a dormir e o deixei sentado no canto da cama, cansado... com seus ombros curvados na escuridão, como se suas asas e meu cansaço fossem pesados demais para o seu corpo frágil de anjo velho.