segunda-feira, 28 de junho de 2010

Substituição


Trata-se de um dos mais bonitos bares da cidade – o que não significa que seja um dos melhores. A decoração é interessante, bem como o cardápio, a música e a iluminação.

Chegam de mãos dadas. Ela é esguia e um pouco desajeitada. Talvez fosse bonita se cuidasse dos cabelos e da pele... Carece de elegância e não sabe combinar cores.

Dele não me lembro muito bem. Apenas que é mais baixo, mais moreno e mais velho do que ela.

Como eu dizia, chegam de mãos dadas em um dos bares mais bonitos da cidade e ele se sente em casa. Ela, num circo. É apresentada ao dono do estabelecimento e a um outro senhor que bebe qualquer coisa ali no balcão. Cumprimenta-os e abaixa a cabeça, mortificada, sem saber por que.

Estou tentando me lembrar o que acontece depois por causa do conto...

Vejamos: pedem cervejas de marcas diferentes. Ficam de mãos dadas sobre a mesa e sob alguns olhares do casal da mesa ao lado. É aceitável que estejam ali, mas o bar a reprova mesmo sem ouvir o que ela diz. Sabemos apenas que não deveria falar sobre estes assuntos e, talvez por isso, o garçom se detém junto a mesa e desata a falar de futebol.

Voltemos à superfície...

Pedem mais cerveja. Ela já está um pouco zonza de tanto beber, rir e falar num outro bar (um dos piores da cidade) com cerveja em copos de plástico e na companhia de uma loira adorável.

Ele vai ao banheiro e ela observa os quadros na parede da frente. Parece que se sente abandonada ali, longe das mãos dele. Mas, minha mesa não está num lugar privilegiado, a iluminação não colabora comigo e eu também já bebi demais, portanto não ouso afirmar nada com relação a esta ideia de abandono.

A comida demora. O dono do bar não é nada simpático com os clientes. Ele está de volta. Mãos dadas... A ideia de abandono desaparece.

Carregamos as pessoas conosco por muito tempo. “Suas mãos batucando no painel do carro”, ela diz. É isso que pretende levar consigo. Só isso mesmo...

Comem, ele paga a conta sozinho e o bar a repreende por isso também.

Vão embora e nenhum conto aparece no bar. Fico parada com a caneta suspensa no ar, o papel em branco.

Saem. De mãos dadas? Esqueci de observar.

Mas sei que tem um conto com eles.

No sofá da sala, tiram os sapatos e falam sobre os pés dela.

No escritório, ele mostra fotos de uma mulher paraguaia no computador e ela comenta qualquer coisa sobre os seios da moça.

O conto aparece no quarto ao lado um segundo depois.

Mais tarde, conversam abraçados e ela gosta de sentir os lábios dele roçando sua pele.

É um conto feliz. Porra! É um conto feliz que eu nunca vou conseguir escrever.

“Sua respiração na minha pele”, ela diz sorrindo. “Pretendo levar isso também”.


Imagem de Nicoletta Tomas

domingo, 20 de junho de 2010

Nota de falecimento


Ao invés de um texto, publico hoje a nota de seu falecimento. Foi morto na manhã do dia 18 de junho, pois seu bater de asas causava incômodo e repulsa. Teve vida curta e anônima. Nasceu de uma noite insólita de espanto, sorrisos, cerveja e um bom filme. Morreu pelo novo. Morreu de distância, de solidão e de lembranças que passeiam perto da porta logo cedo.

Ao ser questionado, o assassino alegou que o texto era feio. Compreendo...

Porém, deixo meu lamento pela morte prematura deste que, sem pretensões nem a beleza das borboletas, voava desajeitado e repulsivo naquela manhã fria enquanto a vida doía dentro e fora de mim.