domingo, 9 de setembro de 2012
Espaço público
segunda-feira, 16 de julho de 2012
Para a criatura mais punk do mundo
terça-feira, 29 de maio de 2012
(im)purezas literárias
Sobre esta nossa vida feita de não-clássicos, onde nunca seremos eruditos.
"Pós-modernos-neo-contemporâneos". Fissurados em uma prosa qualquer, sem Joyce nem Shakespeare, a ralé intelec... atualmente ébria - maconheiros do amanhã, incapazes de dizer o que lá. Lá lá lá.
Onde seremos poesia? Quando se respira esta noite? Quanto vinho será necessário para nos tornar menos tímidos ou menos hostis?
Dorme no escândalo da música underground, no embalo do sexo puto, nas palavrinhas deliciosamente obscenas escorrendo pelos lençóis.
Outro drink e outra referência literária - respiremos aliviados: todos conhecem. Não sabemos o que fazer com as duas estrelas e a arbitrariedade invade nosso mundo azul: Nada de literatura por aqui! Fica proibido narrar ou poetizar - já que a rimar ninguém se atreve... Nada de novo. Seremos a poeira do que já criaram e do que já sabemos.
Belos e suavemente mortos neste canto de bar sem luz de velas para nos guiar no além-mundo. Um toque na coxa... é vida. Tesão. Tesão é vida? De certo... E o amor?
Concentre-se! Alguém importante está falando.
- Importante para quem?
- Mais importante do que você, certamente.
- Sorry. Posso escrever agora?
E escrevo outro capítulo na cama, lambuzando os lençóis de palavrinhas obscenas e a sede de três garrafas.
E escrevo sob a pele com toques inventados para uma literatura qualquer.
Eruditos na arte de arrancar do outro um gozo trêmulo. Com mãos, pés, boca e sexo. Nada mais. Apenas os verbos preguiçosos de pouco mais de trinta dias. Saudações, ilustre insegurança!
E escrevo as três da manhã - exausta, (im)pura, puta, insone e impune mais um não-clássico de nossas inspirações grandiosas.
E escrevo a náusea de mais um elogio de idioma inventado - a vontade viciosa de colocar fim a essas pretensões de páginas azuis.
E o amor?
Juro que é amor. Juramos! Juremos. É azul. É bom é pleno e é genuíno.
Não nasceu erudito nem aprendeu os clássicos. Nem qualidade literária tem, pobrezinho! É vagabundo, erótico e egoísta. Não dorme na mesma cama... incomoda. Não conjuga os verbos corretos - geme desafinado. Busca e morde e grita enlouquecendo os vizinhos. Ah! Amor grande e louco.
Mas, acredite, meu bem: só pode ser amor... tanta insanidade literária.
Imagem: Francine Van Hove - La Liseuse 1996
sábado, 3 de março de 2012
... demasiado humano
O cachorro é feio e simpático igual ao dono. Chama-se Zé – o cachorro. Passeia satisfeito entre ébrios de respeito. Abaixa a cabeça me oferecendo o dorso para um carinho quando o cumprimento: “Oi Zé, bonitão!” E ele está feliz da vida pelo banho recém-tomado.
Logo ali, ao lado, está a figura aposentada que passa os dias à espera de alguém que lhe peça uma informação, um favor ou uma lembrança. Ficam em pé, encostados no meu portão, copos e garrafas sobre o muro em uma eterna confraternização improvisada que já se organiza em Associação: a eleição do presidente é barulhenta no sábado à tarde em meio à fumaça do categórico churrasquinho de meio-fio e a balbúrdia dos associados plenos de uma insólita embriaguez democrática.
A mulher de meia idade, cabelos tingidos de um loiro-pastel-desbotado, batom vermelho manchando o dente e esmaltes de três semanas completa o cenário do bom e velho “boteco copo-sujo”. Ela se senta em uma mesa central em companhia anônima, onde pode ver e, principalmente, ser vista por todos. É a rainha da noite que chega com mais alguns, cortejada pelos mais inspirados que lhe declaram amor eterno respeitosamente em pé e sem se apoiar em nada – o que, a esta altura, já é um grande feito. E ela se desfaz em sorrisos de manchas rubras, majestosa em seu batom implacável, e responde com cadência e irreverência sem maltratar o pretendente nem se render aos seus encantos.
Eis que tal atmosfera literária contamina toda a rua: o padeiro com seus cabelos de moleque; o verdureiro de mãos firmes; o japonês da floricultura que observa tudo com espanto e reprovação e cada espírito humano que já esteve enterrado em paragens mais sombrias se regozija com a felicidade vulgar do bairro popular.
Olhares distantes tentam me convencer de que no bar não tem poesia. Que os dentes manchados de decadência são feios e nojentos; que a enorme barriga do dono do Zé é patética e imbecil; que uma Associação dos “Amigos do Bill” é um insulto aos moldes sérios dos canais democráticos de participação popular; que o pequeno Zé está infestado de perigosas pulgas e carrapatos e que o homem aposentado está em um quadro avançado de depressão.
Quem vê de longe não vê tudo... A poesia se esconde desses olhares acostumados ao desfile perfeito de manequins de carne-osso-e-chatice das paragens sintéticas da classe média.
No bar, a poesia inflama as mais sérias discussões políticas, os rumos do país, o abraço irmão, a queda de um ou outro regime, a dor de amor, a morte, as divergências aumentam o volume das vozes e Deus entra na peleja “protegendo-e-guiando-todos-nós-amém”. Filósofos elaboram refinadas críticas à globalização, as redes sociais e ao baixo nível dos chats de bate papo. Um homem conta comovido sua última visita ao urologista e o grupo se compadece – segundos de silêncio. E, de repente, todos os olhares voltam a brilhar num espetáculo coletivo de torpor e encantamento quando a vizinha passa. A alegria reina, todos os copos se enchem e no mundo já não existe urologistas.
A poesia se embriaga, faz um gesto obsceno e tira a decadência pra dançar.
Que belos contos contaria o Zé se pudesse.
domingo, 22 de janeiro de 2012
Entre morangos e ressaca
E ele fala que não pode. Sabe que não deve, mas me dá as mãos, o coração e todo o resto. E eu não sei o que fazer com um homem assim, inteiro. Agradeço e nego. Choro baixinho para que não saiba que preciso de um abraço. Recuso discretamente o vinho para que não perceba que estou mais triste do que o álcool poderia suportar. E já não sei se sou forte desse jeito ou se essa é a mulher que inventei pra ele. E volto dizendo que está tudo bem e espero e danço e bebo e amanheço olhando o fundo do copo com um sorriso etílico nos olhos cansados de saudades. E ele atravessa a passarela com uma mochila nas costas e me abraça e me amarra e me bebe. Adormeço sem saber onde me perdi – plenamente inconsciente do resto do mundo que nos separa para sempre até de manhã. E sonho sonhos onde o planeta gira na direção contrária, inverte o tempo, confunde as cores, os sabores e ele não vai embora. E me ofereço no café da manhã, entre morangos e ressaca. Ele me ensina um novo dia. Ele me mostra dias velhos. Ele me fotografa e me contrata. E me solta as mãos para que eu durma. E me embala o sono com verbos inventados depois vai embora no meio da noite. Ainda chove. O chão se desfaz sob meus pés e o céu escorre pelo meu corpo. Volto a dormir.
"Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever"
(Strawberry Fields Forever – The Beatles)