terça-feira, 30 de março de 2010

Aquarela


Daí ele disse que logo passa. Só isso.
Vivemos à nossa maneira, coroados de insanidades, fantasiados de bons profissionais, vestidos de cansaço, (in)vestidos de projetos, curados de toda doença emocional que nos dilacerava até bem pouco tempo atrás.
Daí ele disse que tem um jeito novo e bom de se (re)inventar quando você descobre que não cabe no útil nem no agradável.
Pode odiar à vontade, só não vale mais chorar. Pode descobrir que a única coisa confusa por aqui é a cor dos olhos. Tem dias que são verdes, mas se eu ficar olhando por mais alguns segundos eles ficam azuis e eu desisto e te abraço. E, dessa vez, minha loucura atira uma pedra no canto mais colorido de um mundo que não entende muito bem o verde e o vermelho. E todas as cores se misturam nesses dias de Participação Popular, de Terra Celta no Valentino, de fuxico e promoção de saúde, do macarrão delicioso que você faz no domingo.
Estivemos à beira do abismo ainda ontem e hoje somos as pessoas mais normais que nossos amigos conhecem. Nem bebemos mais, vemos filmes na noite de sábado e vamos comprar cigarros de mãos dadas. Uma peça de teatro no final de semana, um velho amigo por boa companhia, livros novos comprados compulsivamente por influência da Ogra que “a gente mais amamos”, pré-banca é um deus-nos-acuda e os dias vão te empurrando lentamente pra um estado de espírito bem parecido com a cadência do samba.
Daí ele disse que eu seria muito mais feliz do que poderia imaginar depois que me descobrisse livre, inútil e desagradável. Maldita e filha da puta. Carente de qualquer doçura e cética até a medula para aqueles cuja única verdade está no discurso de palavras rebuscadas.
E para aqueles que buscaram a verdade em cada canto insólito deste mundo onde as cores atordoam de tão reais e vivas e boas... Para aqueles que aceitaram sua loucura e voltaram para a vida com a humildade e a força de verdadeiros seres humanos... Para estes, ele disse que eu posso ser toda a loucura e me (re)vestir daquilo que sou.
Uma verdadeira filha da puta... e dona de todas as cores do mundo.

quarta-feira, 17 de março de 2010

"Essa pequena epifania"


Suco de laranja, AllStar e dois livros sobre a mesa do Valentino...
De presente, pouco antes de ir embora, a Verdade. Boa e simples como há tempos não se via por aqui.
A mensagem deliciosa 00:05h.
Tua voz suave conversando com a Chica enquanto tento esconder meu constrangimento diante da bagunça do meu quarto.
Voltar pra casa caminhando.
Sem álcool e sem expectativas.
Sobrevivemos.
Já é outono! O vento é bom pela manhã.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Os Anjos


Aquele anjo velho voltou a me visitar a noite. Sentou-se no canto da minha cama com seu ar de profundo cansaço e me olhou dizendo que eu podia dormir tranqüila, que a loucura é mansa e que a vida ia passar bem de leve a partir de hoje... pra doer só um pouquinho.
Fiquei deprimida ao vê-lo tão cansado e ele me disse que o cansaço é todo meu, depois me contou que ele sempre vem assim, do jeitinho que eu estou, só pra me mostrar o que não quero ver. Pedi desculpas, abracei-o e disse que estava tentando.
Ele disse que eu podia chorar.
Fiquei emocionada e me senti infinitamente sozinha. Ele me explicou que todo mundo está só do lado de cá e que ele sempre soube, desde a hora que eu entrei naquele avião, que aquela história ia dar na merda que deu. Pedi desculpas de novo e ele sorriu, cansado.
Contei que quero fazer teatro e que o trabalho vai bem. Que dormi muitíssimo durante as férias e que tenho me sentido muito sem graça. Que vou começar a psicoterapia na segunda semana de março e que espero que isso dê um jeito nessa mania besta de ficar chorando por qualquer coisa.
Ele disse que eu deveria cortar os cabelos e que compôs um samba que eu vou amar. Pediu-me um cigarro, abriu a janela e ficou algum tempo olhando o céu.
Perguntei se tanta tristeza vai passar logo e ele não respondeu nada.
Depois, voltei a dormir e o deixei sentado no canto da cama, cansado... com seus ombros curvados na escuridão, como se suas asas e meu cansaço fossem pesados demais para o seu corpo frágil de anjo velho.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

como manter a sua (in)sanidade mental - em doze passos:


- leia sempre Caio F;

- cultive sentimentos destrutivos como ciúmes e auto-piedade;

- não beba nenhum tipo de bebida alcoolica (se beber, volte pra casa de táxi e chore todas as sua mágoas para o taxista);

- tente namorar alguém que nunca atende o telefone;

- acredite que todos os participantes do Big Brother Brasil são pessoas iguais a você (têm sentimentos, são imbecis e querem ficar ricas);

- faça Residência Multiprofissional em Saúde da Família (com a equipe mais amada pelas jamantas, raios, exús, neoplasias e garçonetes malditas);

- acredite piamente: você é a Maria do Bairro;

- chore pelo menos três vezes ao dia (para isso você pode usar qualquer tipo de estimulante como propagandas de banco, filmes de amor ou até mesmo as novelas do Manoel Carlos);

- odeie seu cabelo, seu peso e seu desempenho profissional;

- deixe Deus injuriado dizendo a Ele milhões de vezes por dia uma única frase: "tô na merda";

- foda com a sua coluna lombar fazendo-a acreditar que é ela quem carrega todo o peso da sua imbecilidade; e

- aproveite muito bem as suas merecidas férias para passar trinta dias unicamente fumando, chorando e dormindo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O mesmo nome


É só esta lágrima que escorre mansa sem expressão de dor, nem músculos da face se contraindo nem nenhuma outra demonstração de sofrimento. É só a mansidão da tristeza certa, sem o desespero da dúvida, sem guerras contra o próprio estômago, sem bebedeiras nem lamúrias porque não vale mais a pena gritar nem brigar nem discutir esse assunto com as amigas pedindo conselhos ou ouvindo opiniões isentas de culpa ou emoção ou amor. É só uma ferida que dói como deve ser a dor dessas cirurgias antigas em dias de chuva.
É só o abandono que vai se fazendo íntimo e a solidão que volta a sentar ao teu lado na beira do rio enquanto você acende um cigarro e sorri comovida ao vê-la depois de tanto tempo chegar assim... meio cerimoniosa para enxugar as tuas lágrimas e dizer que está tudo bem, que tudo isso vai passar antes do que você pensa.
É só a brisa do rio que te acaricia os cabelos e te avisa que a ferida estará sempre no mesmo lugar, você só precisa se acostumar com a dor e com os dias de chuva e com as lágrimas que escorrem furtivas nessas férias em que, de repente, um outro rosto que carrega o mesmo nome te abraça sem perceber e te fala com um carinho descuidado de como pensa que você é e tenta te alcançar para saber de onde vem esta lágrima e pra onde vai este olhar que você mantém fixo no rio enquanto este outro rosto te olha sob o sol que faz a água brilhar e brilhar e brilhar até o horizonte que você não se atreve a encarar agora. Não nesses dias de férias e no meio dessas lágrimas e na presença deste rosto bonito que tenta entender a tua tristeza sem palavras, sem expressão e sem coragem.
Essa tristeza que você vai derramando devagarinho na água esverdeada do rio enquanto a solidão senta sobre as tábuas do velho trapiche entre você e este rosto bonito que carrega o mesmo nome.
E, assim, você sabe que tudo está voltando a ser o que era antes e que nada deveria ter saído do lugar.
Assim, você vai se lembrando de que sempre esteve sozinha e que há de ser assim para sempre e isso te dá um certo conforto...
E, assim, você vai se acostumando de novo com o que sempre lhe foi íntimo e chora a dor do que morre a cada porção de amor e tristeza que vai se misturando à água esverdeada que passa rente aos seus pés.
E você se reconcilia com a solidão que jura nunca mais te abandonar e sorri para o rosto estranho que te olha sem saber que, neste exato momento, você se deixou cair morta e esquecida com toda a tristeza e todo o amor no fundo do rio que brilha sob o sol e acolhe a dor de mais uma ferida velha demais que decidiu nunca deixar de sangrar.
"Você me leva pra comprar cigarro?"
"Levo sim, minha florzinha..."
E você vai, sem deixar de se despedir do rio e de você mesma e do amor que já não se vê sob a água.
E você vai, como uma "florzinha" fraca demais ao lado deste rosto que carrega impunemente o mesmo nome e te abraça como que para se certificar de que você não ficou morta e esquecida com todas as lágrimas e tristezas e amores que derramastes devagarinho junto ao rio.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Pois é...






E, mais tarde, me disseram que Oswaldo Montenegro confessou que o romance de Leo e Bia não deu em nada. Talvez a janela tivesse razão... Tentaram. Tentamos.
"Humanos que são."
"Humanos que somos."

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Enquanto isso... no quarto de algum hotel barato.


Ela: uma janela de madeira branca que se abre para que as luzes da cidade possam invadir o amor no fim da tarde.

Ele: um ventilador escandaloso que atrapalha o sono, mas ajuda bastante neste calor miserável que faz por aqui.

Os dois olham entediados para a cena que se repete. Mais um amor que se consome dentro deste pequeno quarto num hotel barato da capital. É o primeiro dia, a coisa mal começou e a mocinha já está chorando. A janela a critica, mas o ventilador sai em sua defesa dizendo que não há problema nenhum em ser sensível. Conversa longa, olhares felizes, detalhes escancarados aos olhos dos dois amantes que esperaram muito tempo por esse momento. “Tudo igual”, diz a janela, “só muda um pouco o contexto, as frases românticas, as revelações comoventes, o ritmo... No final dessa conversa os dois fazem amor e ela chora de novo, emocionada”. O ventilador a repreende: “Precisa ser tão amarga? Os dois tem futuro, parecem realmente apaixonados. Outros já estariam trepando desde o primeiro minuto. A conversa vai bem, tem entrosamento, sinceridade... ingenuidade até!”

A janela ri: “Isso não vai dar em nada. Logo a mocinha vai embora e essa história morre aqui, bem debaixo dos nossos olhos.”

Três dias vão passando. O ventilador se interessa pelos hóspedes e até se comove: “Veja como estão felizes”. E a janela até acredita que dessa vez pode ser que a história de amor vingue.

Declarações de amor, sexo, sair, mãos dadas, carinho, a dedicatória modesta no livro do Galeano e outra deliciosa em um do Gabo. Mais lágrimas... “Como chora, essa garota. Deus me livre”. Dessa vez, é o ventilador que ri e concorda.

A hora fatídica: despedida. Nem precisa dizer que a mocinha está se desfazendo em lágrimas e o mocinho parece... sei lá, talvez esteja constrangido ou confuso ou profundamente triste. Mas, o rapaz não chora. Abraça a mocinha chorona, diz palavras de conforto e chama a atenção do ventilador e da janela com a frase que marca o desfecho dessa e de todas as outras cenas que se repetem eternamente dentro dos quartos de hotéis baratos: “Em breve eu vou ao seu encontro”.

A janela olha com um sorriso irônico para o ventilador, que parte em defesa do amor mais uma vez: “E eu acredito que ele vai mesmo.”

A janela se concentra na luz deprimente que invade mais este amor que, para ela, acaba de morrer bem ali, debaixo dos seus olhos.

Pelo menos o ventilador ainda acredita e, para ele, o amor fecha a porta e vai embora de mãos dadas para sempre.