sábado, 25 de julho de 2009

De repente


E de repente o que antes era tão importante já não fazia a menor diferença. Fui me acostumando tanto a você, que já sentia um certo desconforto ao imaginar meus finais de tarde sem a sua companhia e ir ao mercado sem ter você pra me ajudar a encontrar as frutas e os produtos de limpeza.
E de repente a vida foi ficando sem cor, sem amor e sem rancor. Era só o dia a dia, um abraço, sexo, conversar, tentar dormir e depois todas as responsabilidades que chegam com o sol.
E eu nem vi tudo isso acontecer.
Hoje estou me perguntando o tempo todo como foi que chegamos até aqui.
Qual foi o caminho que nos trouxe até este silêncio de cumplicidade quando não há sentimento nenhum que justifique isso?
Não existe nada dentro de nós que sustente esta loucura... Será que você nunca pensa nisso?
Será que eu tenho que aprender a te amar para poder lidar com esta situação ou posso simplesmente pensar em você como alguém que eu quero ter sempre por perto?
Entregar-me á solidão da sua presença parece propício para estes dias de vida corrida, de início de profissão, de descobertas amargas, de mundo frenético.
Você é uma parcela de paz...
Você acabou por se transformar na minha necessidade de silêncio, de contato inexplicável, de loucura calma e talvez até apática.
Lembra-se dos nossos tempos de distância, das ligações noturnas, dos medos e anseios que nos faziam agir como dois imbecis que ensaiavam de forma desastrosa uma pretensiosa paixão?
Lembra-se daquele conto?
Éramos ingênuos e eu não estou querendo dizer que isso era de todo ruim.
Hoje somos este silêncio e você já não pode ver minhas lágrimas. Antes eu tinha coragem de mostrá-las a você... Mas, agora as lágrimas são incoerentes, os sonhos são perecíveis, a cor o amor e o rancor não nos dizem nada e...
De repente, posso lidar perfeitamente com esta situação.
Não nos preocupemos, as suas promessas já não afetam o meu estômago, eu já não espero por você e sua voz será sempre algo bom para eu ouvir de madrugada.
Você viu tudo isso acontecer?


Tela: "Silence" - Henry Fuseli.

terça-feira, 14 de julho de 2009

É simplesmente uma maneira de sobreviver


Como se não fosse necessário ter um anestésico as vezes e como se o som deste piano dissesse algo além dos 900km que separam duas pessoas sobreviventes.
Hoje eu morri mais de uma vez e parece que é sempre a ausência cortando meus pulsos para depois me dizer que nada disso é a morte, e sim a decadência que nós já conhecemos tão bem e que já é hora de parar de chorar para amanhã comer uma fruta pela manhã e caminhar na Avenida Tiradentes ouvindo Coltrane e passar por aquela praça e depois cumprimentar seu pastor belga com a familiaridade de velhos amigos e me alegrar quando ele sorrir pra mim.
Prometo te dizer bom dia com voz isenta, falar trivialidades no caminho para o trabalho com interesse incomum, sorrir para você todas as vezes que me olhar esperando um sorriso de cumplicidade e não ter os olhos sanguíneos de quem suportou as lágrimas sem filmes nem vodca nem cocaína durante um final de semana de dores de estômago, roupa suja e fotos.
Prometo gostar do almoço que você vai preparar para mim... Só não me peça para parar de fumar e escrever textos felizes.
Eu só queria mais um cigarro e algo líquido que fizesse doer um pouco menos.
Prometo não te mostrar os 900km que separam dois sobreviventes nem as marcas da decadência nos meus pulsos ou nos meus olhos sanguíneos.
Prometo não chorar lágrimas sem lembranças.
Prometo não mentir nenhuma mentira além daquelas que você me pedir.
Prometo estar bem e ser apenas uma Assistente Social cansada.
Prometo respirar tranquilamente esta política pública e engolir silenciosamente toda a tristeza que cabe em 900km.
Prometo sobreviver.


Tela de Ray Caesar

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Silêncio


Nós tínhamos uma vida bem tranquila. Pouco tempo juntos em cada dia de cansaço e som e raiva e vitórias ínfimas e cafés amargos e cigarros silenciosos e noites pequenas.
Nós tínhamos uma vida bem cega juntos...
Duas solidões dividindo um espaço pequeno em um ambiente gigantesco habitado pela nossa ausência.
Era pacífico... as músicas foram testemunhas disso.
Era constrangedor... minha cama também sabia.
Era bom... ainda está na minha pele.
Era estranho... estávamos lá.
Os primeiros dias foram difíceis, depois ficou insustentável e em seguida nós paramos de pensar nisso.
Nunca estávamos sozinhos - havia a literatura e o conhaque por (boa) companhia.
Algumas noites dormíamos juntos - outras, estávamos bem demais para isso.
Conversávamos... ou ficávamos em silêncio quando a solidão gritava tão alto que ficava impossível ouvir a voz um do outro.
Viver era algo quase imperceptível.
Contávamos nossos sonhos, observávamos nossos hábitos e vícios impregnados nas paredes e nunca mais pensamos em nada.
Sinais sutis determinavam movimentos, silêncios longos se transformavam em mãos estendidas, tons de voz eram abraços e olhares eram permissões tácitas.
Viver era bem escorregadio.
É sempre igual quando subo as escadas e me preparo para respirar o ar que só nós respiramos e sentir o cheiro que só nós sentimos e observar os hábitos e vícios que só nós impregnamos naquelas paredes.
Era um outro mundo. Uma dimensão à parte da vida que de tão carregadas de nós dois parecia existir só dentro da gente.
Viver era bem agonizante.
Amávamos dolorosamente cada canto e objeto daquele lugar insólito.
Vivíamos letárgicos cada momento sem cor.
Estou subindo as escadas e tudo isso me acompanha em cada degrau e a vizinha me diz "bom dia" como quem vê a cor desbotada dessas lembranças e o gosto de tudo isso se parece bastante com saudade e os cheiros e vícios e hábitos continuam lá, impregnados.
Minha pele sabia.
Só a solidão deixou de gritar.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Poemices


Não sou muito de ler poesias. Mas, alguns poetas me encantam... O Pessoa, por exemplo. E também tem o Poeta Mauro Rocha, que escreve poesias que eu gosto muitíssimo de ler.
Um dos poucos privilégios dessa vida besta que estou levando foi descobrir alguém para ler...
Explico:
Tenho lido a Dani... e as poesias dela também.
São oito horas diárias lendo sua psicologia, sua inteligência, seus sorrisos, sua companhia, suas palavras, seu bom senso, sua criatividade...
E depois, tem mais da Dani para ler.
Depois tem seus Retratos Cores e Silêncios.
Suas poemices...

É muito bom ler alguém que diz tanta poesia o dia todo e escolhe democraticamente o filme da noite e bebe caipira quando a grana tá curta demais para cerveja e sofre junto as dores do Caio todas as manhãs no ônibus...

E é da Dani que vem a poesia que segue, premiada no IV Concurso Literário "Cidade de Maringá" - tema: "Roça", pela Academia de Letras de Maringá.


Lavra (dor) Borboleta no Asfalto


Das mãos calejadas
Do suor do seu rosto
O alimento dos meninos

Dos olhos brilhantes
Das costas arqueadas
O peso do mundo

Na face aflita
Na boca, nos dentes
Os sonhos caídos

Nos ombros pesados,
No sorriso apertado
A árdua vida

Da terra se fez homem
Da pedra se fez firme
Dos caminhos se fez justo

Com suas unhas
Percorre as entranhas da terra

Com seus braços
Devasta os caminhos do mundo

Com seus olhos
Alarga o sol no horizonte

Com seu corpo
Recebe a benção da chuva

O sol renasce em seus olhos
A água brota de sua fronte
A semente nasce em seu peito.


PS: Minha homenagem por seu talento e meu carinho por sua imprescindível companhia nestas nossas (por vezes ingratas) jornadas de trabalho e estudo.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Acupuntura, Woody Allen e algo mais...


O que te afasta das pessoas?
E o que te aproxima delas?
Afinidades, diferenças, ideologias, carência, curiosidade, solidariedade, conveniência, solidão?
Esta vida estranha que vivemos... nem dá pra procurar motivos.
Às vezes a gente simplesmente esbarra em outra vida e pronto.
A partir daí começa uma longa história, ou apenas mais um ombro existencial no seu caminho que te faz pedir desculpas.
Atualmente vivo em uma grande cidade horrível, tenho sementes na orelha para tentar parar de fumar e juro que não vou me embriagar todo final de semana. Também juro que não vou mais cometer o erro imbecil de te ligar e passar por outra situação indigesta.
O que me aproximou de você?
Pra que ligar?
Eu sei que você não está aqui mesmo.
Eu disse que seria assim.
O que te aproximou de mim?
Sinto-me personagem de um filme do Woody Allen e isso é bom.
A coisa toda fica ruim quando eu me sinto personagem de um filme do Kubrick.
Talvez essas sementes me ajudem a parar de fumar e acabem com a minha gastrite e coloquem um fim nesta minha maldita ansiedade.
Mas, não há acupuntura nem nada neste mundo que me afaste destes ombros nos quais esbarro de vez enquando...
Nem ciência que me ensine a não te ligar e sentir meu estômago lutar contra todas as sementes do mundo quando não é a sua voz que eu ouço e me dou conta de que você não está aqui mesmo.
O que me afasta de você?
E eu aqui, tentando estabelecer outras prioridades e nunca mais abrir mão do meu precioso sono para ouvir a tua voz.
E eu aqui...
Tentando parar de fumar.
Mas, o cigarro, caro Caio F., é a única coisa que eu quero ter nas mãos agora.
Amanhã tentaremos com agulhas.
O que te afasta de mim?

sábado, 6 de junho de 2009

O pesadelo


Esta noite acordei com uma sensação estranha. Acendi a luz do quarto e notei ao me olhar no espelho que havia sangue por todo meu corpo.
Assustada, me apressei em descobrir de onde vinha todo aquele sangue. Procurei por baixo do pijama que se colava à minha pele, entre as pernas, na barriga, nas costas... Até que empurrei meus cabelos para trás e pude ver os fios que escorriam incessantemente dos meus ouvidos.
Pensei consternada que as palavras que ouço são realmente muito agressivas para provocar feridas assim.
É que às vezes eu me canso de ser tão perecível.
É que às vezes essas agressões precisam ser expelidas de alguma maneira, mas eu não imaginei que seria uma hemorragia no meio da madrugada.
Sentia o calor dos fios de sangue escorrendo pelas minhas orelhas, sentia o sabor das palavras que ouço descendo pelo meu pescoço, sentia o cansaço das vozes manchadas de sangue e abandono.
Havia muito sangue. A agressão acumulada da semana. O cansaço de todas as vozes do mundo, de todas as discussões improfícuas, de todos os telefonemas ridículos, de todas as saudades inócuas...
Até que os fios de sangue cessaram.
Entendo estes mecanismos.
Às vezes minha mente precisa criar esses pesadelos para curar as feridas da semana.
Isso é o que eu chamo de “mal necessário”.
O pesadelo acabou.
Não há mais sangue.


Tela: "O Pesadelo" (1781), de Henry Fuseli

sábado, 30 de maio de 2009

Sonhos outonais


Não, querida... você não está sozinha. Ouça, alguém respira palavras contidas ao teu lado. Esta sensação deve ser por conta da escuridão e porque você está no olho do furacão, onde o tempo parou e os sons da roda-viva não podem te alcançar.
Não precisa chorar, isso é apenas sono. Sei que você não está suficientemente cansada, mas tente morrer até o dia amanhecer. Não fique procurando a solidão neste teto que está tão longe nem nestes braços que te protegem do frio e de você mesma.
Tente não pensar em nada, querida.
Tente não ouvir o som do que você nem sabe se existe e não sabe o que tem pra te dizer.
Ele está batendo sim, mas isso não tem nada a ver com você.
Lá fora, o mundo continua sua maldade do mesmo jeito e os anjos sentem frio de madrugada por isso se abraçam, tomam mais algumas cervejas e dançam sobre as folhas secas dos sonhos outonais.
Tente morrer até o dia amanhecer e essa sensação vai passar assim que você sentir a luz do furacão invadir a letargia do tempo.
Logo a escuridão vai embora, querida... Sei que é impossível dormir com estas mãos te acariciando assim.
Mas, tente morrer, minha querida... Você está cansada.
E não pense que está sozinha, não duvide do que você está ouvindo bater, tome mais algumas cervejas, abrace para se proteger do frio e de si mesma, esqueça o tempo, as cortinas, a poltrona e o som dos passos na escada.

A luz do dia logo vem.

sábado, 23 de maio de 2009

Pedro Henrique


Tem um menino hospitalizado desde terça-feira por conta de uma pneumonia. Ele tem seis anos e é meu sobrinho.

Ontem eu o abracei e ele se lamentou que a Enfermeira iria novamente furar sua mão para aplicar o soro.

Meu coração doeu tanto que eu descobri o que é amar alguém de verdade.