Ele é um ex-coroinha santista: sedutor incorrigível, inteligente demais, bastante polêmico, um pouco intolerante talvez... Conheço-o bem, mas sou incapaz de colocá-lo no papel. Esconde-se e brinca de ser outro, muda o percurso, trai o texto, me estrangula e diz que é a primeira vez que faz isso.
Ela é a moça com quem ele não quer namorar: trinta anos mais jovem, confusa, cansada, gosta de cerveja e Kundera. Anacrônica e insegura. Gosta de adjetivos afetados e brinca de ser decadente... Passeia pela vida e teme que lhe roubem a solidão. Quer morar na Escócia, ser garçonete e ler todos os clássicos do mundo.
Um dia, depois de muito tempo, encontram-se em um bar da cidade, depois num café, depois um churrasco e depois de seis meses os dois personagens continuam me pedindo um conto que não sei escrever. O fato é que eles fogem do roteiro o tempo todo! Assim, nem o Sabino conseguiria...
Observo-os: ele a olha desconfiado – não quer se apaixonar. É muito sensato o nosso ex-coroinha santista... Ela é mais ingênua: apaixonada em homenagem ao que são e deixarão de ser, abraça-o como se abraçá-lo fosse a única maneira de esquecer que.
Dou-lhes verbos leves, literatura fast-food, um caso. Sem dramas nem tramas, apenas uma história de noites agradáveis. Mas, eles não querem! O ex-coroinha santista vai até uma pequena cidade conhecer a família da moça com quem não quer namorar e eu fico perdida. Volto aos verbos leves e ela vem com um piano triste e pesadelos... Chega da casa dos pais e chora, resolve sentir medo e alimenta os fantasmas de amores e desencantos passados.
Enlouqueço. Escrevo um texto de coragem e força, apago e redijo palavras de lamento e nada os agrada. Personagens confusos, não querem viver um grande amor, mas também não sabem ficar na superfície. Injuriada, desapareço com os pudores: dou a ela tetas grandes, um espartilho preto e enveredo pelos caminhos de um conto erótico. O ex-coroinha santista acompanha: tem tara pelos pés da moça, uma coleção de chicotes e muita experiência no assunto. Adoraria escrever esta história, mas jamais conseguiria publicá-la.
Volto a observá-los: estão se olhando. Ele, desconfiado. Ela, cuidando... Jamais serão literatura, apesar de ser extremamente literária a imagem das pernas morenas de um ex-coroinha santista entrelaçadas as pernas intermináveis e tão brancas da moça trinta anos mais jovem.
É lamentável que eu não saiba escrevê-los. Recolho meus verbos e adjetivos afetados e os deixo abraçados. Talvez sejam felizes assim: personagens esquecidos de um conto que ninguém escreveu.
Tela: Os Amantes (René Magritte, 1928)
6 comentários:
Querida amiga, lindo conto. Tenha um excelente final de semana. Beijocas
Anaaaa!!! Sua filha-da-putinhaaa!! Muuuuito muuuuito bom esse texto! Não dá nem pra comentar. Vc é foda.
Adorei o texto!
Um dia tbm vou saber escrever assim, sem saber escrever!
pqp!!!vc se superou besouro...
Lindo o texto, amiga...rs Muito boa a história!!!
cadê vc????
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