segunda-feira, 14 de março de 2011

“Todo carnaval tem seu fim”


Parece que a cada momento é algo diferente... Um outro desafio que aí seria simples, haveria alguém ao seu lado com uma resposta pronta, com uma caneta nas mãos e uma risadinha familiar pra dizer que carnaval é assim mesmo... todo mundo comete excessos.

Aqui, pode ser que você encontre algo depois daquela subida forte – porque há sempre uma subida forte entre você e qualquer coisa de que precise.

Aqui, você sempre precisa de algo que não sabe onde está, ou que espantosamente não existe.

Aqui, não existe o muro das lamentações ou, na pior das hipóteses, você é o muro.

Por outro lado, aqui existe uma infinidade de coisas que você não sabia que existia e que nunca vai saber pra que serve. Coisas de uma capital...

Hoje, você ousa afirmar que todo mundo é louco numa capital, inventando coisas que não servem pra nada ao invés de inventar um bom muro onde se lamentar.

E você se apaixona por qualquer par de olhos grandes e cabelos parecidos com os teus...

Se apaixona e vai embora, deixando aquele par de olhos grandes no ponto de ônibus onde a solidão é uma merda e fica pensando que deveria ter ficado, que deveria ter falado “Olha, eu também não entendo a capital e também sinto falta do frio...”

De onde ela vem faz frio e seus olhos ficam lindos quando ela fala da saudade que sente...

E você pensa que aqui deve ser assim mesmo – voltando do trabalho todos os olhos são lindos de saudades de um outro tempo ou de um outro lugar. E, na fila do mercado, alguém tenta fazer com que seu realismo seja menos fantástico, mas você prefere beber sozinha...

“Bruna Surfistinha! Vamos ver?”

E você vai... Vai porque precisa de qualquer coisa que faça seu estômago esquecer que ele vai embora daqui a pouco e você vai ficar sozinha de novo nesta capital de merda. Perambula pelas ruas com a mochila pesada demais nas costas sem ter pra onde voltar, mesmo antes de saber que voltaria para uma janela arrombada e mais dois ou três pesadelos.

A sensação de não ter pra onde ir depois de três dias inteiros com ele e mais ninguém...

Você sai desse carnaval espantada com tanto carinho que até o mês passado ninguém sabia onde estava... Provavelmente, escondido depois daquela subida forte ou em algum lugar da gente que só se manifesta quando o vê na plataforma de desembarque pronto pra um abraço que ninguém sabia que poderia ser tão bom.

“Sorry, baby. Juro que não era pra gostar tanto assim do teu abraço.”

“Juro que queria saber a hora certa de acordar.”

E você só queria dizer que não foi por coragem que veio até aqui. “Foi o inverso, coração. Coragem seria ficar e mandar à merda a obrigação de vencer na vida.”

Mas, você não diz nada... Afinal, é carnaval e está chovendo. Ele está orgulhoso da sua “coragem”, suas pernas já estão se acostumando com tantas subidas fortes, você já não se lamenta mais, o realismo também é fantástico por aqui e vocês tem um curta para produzir neste feriado que logo acaba.


"Deixa eu brincar de ser feliz/deixa eu pintar o meu nariz"...

(Todo carnaval tem seu fim - Composição: Marcelo Camelo)


Tela: Jacek Yerka - 1952

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Flores de Luz


Naqueles dias em que já começava a se despedir da cidade, em uma manhã de chuva fina e sol, sentada em um ponto de ônibus na Guararapes com duas sacolas de mercado nos braços, observava a pichação com letras grandes no muro do outro lado da rua: “O amor é importante, porra”.

Enfeitava a luminária com flores de silicone sentada no chão do quarto e ouvia música baixinho. Nem dois anos aqui e foram tantas descobertas... Pensava na situação do autor da frase da Guararapes e no seu grito injuriado, talvez bêbado numa madrugada, talvez cansado de pensar no significado das coisas.

Apagava a luz do quarto e ficava admirando as flores iluminadas. Nem dois anos e até os muros da cidade já diziam que ir embora dói, mesmo com as promessas de felicidade em outros lugares, mesmo que a gente sempre soubesse que essa equipe multiprofissional iria se desfazer mais cedo ou mais tarde... Mesmo que a palavra “caso” já dissesse que haveria um começo inesquecível no sofá da sala, um meio surpreendente na tua cama e um fim precoce com quilômetros demais entre duas pessoas que não queriam viver um grande amor.

A luminária estava toda florida no fim da tarde... Encostada no guarda-roupas, pensava em começar a encaixotar algumas coisas, deixar a maior parte dos livros na casa dos pais por ora, levar só as roupas, sapatos e a luminária, como se fosse voltar logo e fosse precisar de poucas lembranças além do essencial e das flores de luz.

Pensava no que picharia em um muro da Guararapes nesta noite... O que diria pra cidade da qual se despedia?

Voltava a escrever e pensar nos aspectos práticos – era isso que ele faria. Perguntaria coisas aparentemente simples sobre a mudança e evitaria as palavras que indicassem que as pessoas sentem falta umas das outras sentado na cozinha, com os óculos sobre a mesa e o olhar parado em algum lugar desses últimos meses.

No entanto, ela estava sozinha no quarto olhando a luminária. Queria ser igual a ele – tão racional... Queria pensar no futuro profissional, nos “aspectos práticos”, nas intermitências da vida e na mentira que inventaram para acreditar que este episódio ainda não merece que este texto receba o mesmo título do livro que a levou até ele.

Queria inventar um título, um best-seller, um romance conveniente ou qualquer porcaria capaz de levá-lo até ela dessa vez – só pra variar um pouco. Porque, encostada na porta do guarda-roupas, fumando um cigarro e olhando as flores de luz, ela sabia que tudo ficaria bem e que coisas boas iriam acontecer com ela e com toda a equipe, onde quer que fossem morar... Mesmo que, lá fora, a cidade toda gritasse com seus muros e jardins, que ir embora dói.

Ela sabia que o futuro se anunciava bom, que a mudança traria tantos novos conhecimentos e que em breve iria se acostumar com o novo trabalho, iria fazer mais amigos, se comover com os gritos de outros muros, se apaixonar por outras cidades e talvez ele a visitasse algumas vezes no início... E ela também sabia que nunca mais haveria uma equipe multiprofissional igual a essa e que provavelmente não haveria um muro das lamentações no seu próximo ambiente de trabalho, nem uma pessoa tão desaforenta quanto a Farmacêutica no quarto ao lado onde quer que fosse morar. Será que um dia encontraria outro Fisioterapeuta que beijaria o próprio ombro ao se despedir só pra fazê-la chorar de rir? Será que lá haveria uma Educadora Física cantora de funk? Uma Enfermeira descontrolada? Alguém disposto a sentar com ela no meio-fio, embaixo de chuva pra tomar cerveja no saquinho? Faltou tempo pra tanta loucura... Faltou pouco tempo pra um último porre com a Regiane na Keiko.

E, por causa de tudo isso, ela pichou um lamento na Guararapes, gritando sua despedida com uma ou duas lágrimas no copo de caipirinha em homenagem a Psicóloga que ninguém sabe por onde respira...

Em homenagem a equipe multiprofissional, a esses quase dois anos de resistência e ao autor anônimo do grito injuriado em um muro da Guararapes.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Vamos?


Uma cidade de setenta e três mil habitantes próxima a Belo Horizonte. Muitas montanhas ao redor, ladeiras, subidas, decidas, sotaque de cadência bonita e engraçada, bares, cachoeiras, mil quilômetros de distância de casa, taxistas adoráveis, mais ladeiras, mais montanhas, exploração de minério, pessoas de todas as classes sociais dizendo “ocê”, queijo, doce de leite, mudança, distância, adaptação, “você há de chorar no início”, sim... e muito. Um atestado de higidez mental – posso chorar no início, doutor? Talvez não haja problema se você evitar as lágrimas no horário de trabalho. Meia hora e cento e cinquenta reais depois, um psiquiatra me declara mentalmente apta para exercer minha profissão em Minas Gerais ou em qualquer outro lugar do mundo para em seguida me explicar a beleza da imperfeição deliberada da mandala na parede de seu consultório. É mais um lugar de onde saio com a estranha sensação de que em Minas só tem gente tão encantadora quanto aquela mandala deliberadamente imperfeita.

Um concurso público como desculpa pra passear e a aprovação seis meses depois. O jeito é ir embora, juntar os livros e CDs na mochila rasgada e encarar o Serviço Social em terras mineiras, entre tantas subidas e decidas, onde todo mundo fala “ocê”, sorri, descobre em dois segundos que você é de outro estado e diz com confiança: “Ocê há de gostar daqui, branquinha”.

Temos pouco tempo para decidir se a vida continua aqui no Paraná, se recomeça lá em Minas ou em qualquer outro lugar que, de certa forma, terá sempre ladeiras, encantos e imperfeições.


Foto encontrada aqui

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

E você que não volta...


Usei você.”

O que?”

E se eu contasse pra alguém, mais uma vez, me perguntariam:

E você vai?”

Pois é... Pra Minas?

Feira Nacional do Livro? Esquece isso!

Morar? Não – dividir o aluguel.

Jantar? Não.

Mentira. É claro que vai.

E a terapia é pra dar jeito se for um desastre.

Gostamos de música. Um bom bar, cerveja...

Pra que o beijo de despedida?

Se eu contar, ninguém acredita.

Usei você... O que acha disso?

E você que não volta nunca!

Estamos juntos aqui...

Erótico ou obsceno?

Para janeiro: sorrir, falar, ouvir, agradecer e concordar.

Apenas por uma noite...

Ou durante dois anos?

O Fusca do vizinho incomoda, mas o vizinho...

Quer jogar truco?

Já é quase dez da noite.

Já é quase fevereiro.

Já faz quase um ano.

Aceita uma cerveja?

Opa! A minha é sem cianureto, por favor.”

Humildemente.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

“Não me leve ao pé da letra... essa história não tem pé nem cabeça”


Recolheu tudo de si que havia em volta, até não restar nem lembrança. Sempre acreditou que essa era a melhor maneira de ir embora. Mesmo que invariavelmente esquecesse algo – um par de brincos, um livro, uma toalha de banho, uma calcinha no varal – gostava de pensar que carregava consigo todo o passado. Afinal, não havia outro motivo para a mochila pesar tanto...

Em todo lugar que vivesse, viveria pensando no momento em que iria embora até chegar o tempo em que já não houvesse para onde ir. É que sempre aprendia, dentro de um restaurante japonês ou em qualquer outro lugar onde não se aprende nada, que não estava apta para tantas promessas. E, mesmo assim, preservava sua aparente saúde mental e passava tempos sem conseguir escrever absolutamente nada para fingir que tudo ficaria bem e que ninguém jamais sentiria saudades, pois todos já haviam se acostumado com esse jeito torto de viver que inventamos para que cada despedida se resuma a um abraço com desejos de sucesso em qualquer outro lugar do mundo. Porque sempre acreditaremos que o sucesso nos espera em qualquer outro lugar do mundo.

As vezes doía um pouco, mas havia sempre uma sensação boa em nos deixar, mesmo que não entendesse porquê. O fato é que ir embora sempre a seduziu, porque em cada lugar que chegasse, antes de tudo – principalmente do sucesso – o que a esperava era a solidão. Os fins de tarde calmos, a música que talvez lhe trouxesse alguma lembrança remota, a sensação de que não há amparo e de que tudo pode ficar assim para sempre. Uma existência anônima e desconhecida que caminha paralela ao resto do mundo, que segue um curso próprio e alheio, que segura as próprias mãos e usa todos os adjetivos do mundo. Sonha com isso como quem dorme um sono feliz onde é possível chorar sem se entupir de qualquer bebida alcoólica... Porque onde está, só consegue chorar embriagada e vive o resto do tempo engasgada e sóbria, com lágrimas atravessadas na garganta e uma sanidade vazia que lhe rouba os verbos.

Basta uma semana para que esqueçamos seu rosto, sua voz e o cheiro do cigarro. Quem disser o contrário estará mentindo.

Basta uma semana para que possamos seguir sem ela, imaginando e/ou desejando que o sucesso a espera em qualquer outro lugar do mundo. E, vez ou outra, poderemos ler seus textos e ficaremos comovidos, mesmo que, na maioria das vezes, eles não tenham pé nem cabeça.


"Society, have mercy on me

Hope you're not angry if I disagree...
Society, crazy indeed
Hope you're not lonely without me..."
(Eddie Vedder - Society)

sábado, 6 de novembro de 2010

Limitações literárias


Ele é um ex-coroinha santista: sedutor incorrigível, inteligente demais, bastante polêmico, um pouco intolerante talvez... Conheço-o bem, mas sou incapaz de colocá-lo no papel. Esconde-se e brinca de ser outro, muda o percurso, trai o texto, me estrangula e diz que é a primeira vez que faz isso.

Ela é a moça com quem ele não quer namorar: trinta anos mais jovem, confusa, cansada, gosta de cerveja e Kundera. Anacrônica e insegura. Gosta de adjetivos afetados e brinca de ser decadente... Passeia pela vida e teme que lhe roubem a solidão. Quer morar na Escócia, ser garçonete e ler todos os clássicos do mundo.

Um dia, depois de muito tempo, encontram-se em um bar da cidade, depois num café, depois um churrasco e depois de seis meses os dois personagens continuam me pedindo um conto que não sei escrever. O fato é que eles fogem do roteiro o tempo todo! Assim, nem o Sabino conseguiria...

Observo-os: ele a olha desconfiado – não quer se apaixonar. É muito sensato o nosso ex-coroinha santista... Ela é mais ingênua: apaixonada em homenagem ao que são e deixarão de ser, abraça-o como se abraçá-lo fosse a única maneira de esquecer que.

Dou-lhes verbos leves, literatura fast-food, um caso. Sem dramas nem tramas, apenas uma história de noites agradáveis. Mas, eles não querem! O ex-coroinha santista vai até uma pequena cidade conhecer a família da moça com quem não quer namorar e eu fico perdida. Volto aos verbos leves e ela vem com um piano triste e pesadelos... Chega da casa dos pais e chora, resolve sentir medo e alimenta os fantasmas de amores e desencantos passados.

Enlouqueço. Escrevo um texto de coragem e força, apago e redijo palavras de lamento e nada os agrada. Personagens confusos, não querem viver um grande amor, mas também não sabem ficar na superfície. Injuriada, desapareço com os pudores: dou a ela tetas grandes, um espartilho preto e enveredo pelos caminhos de um conto erótico. O ex-coroinha santista acompanha: tem tara pelos pés da moça, uma coleção de chicotes e muita experiência no assunto. Adoraria escrever esta história, mas jamais conseguiria publicá-la.

Volto a observá-los: estão se olhando. Ele, desconfiado. Ela, cuidando... Jamais serão literatura, apesar de ser extremamente literária a imagem das pernas morenas de um ex-coroinha santista entrelaçadas as pernas intermináveis e tão brancas da moça trinta anos mais jovem.

É lamentável que eu não saiba escrevê-los. Recolho meus verbos e adjetivos afetados e os deixo abraçados. Talvez sejam felizes assim: personagens esquecidos de um conto que ninguém escreveu.

Tela: Os Amantes (René Magritte, 1928)

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

(sob) controle


É tudo uma questão de controle: social, da musculatura, mental, da respiração e do apetite. 9 quilos e tudo fecha de novo... Corta carboidrato e a Regiane resolve que vai comer Arnaldo's todo dia! “Doce vingança”, ela diz.

Aguenta firme, Ana... come pera.

Contrai-relaxa-contrai-relaxa-contrai-relaxa. E o TCC esperando a boa vontade da minha musculatura. Dividida entre o controle social e o pompoarismo, entre a Keiko e uma dieta saudável, entre o peso e a leveza.

Natação, caminhar no Igapó ou academia? Um grande amor ou uma brincadeira? Caladinhos, abraçadinhos, comportadinhos – sãos. Tudo em nome da sanidade!

Nem puta nem beata. Curiosa, talvez. Curiosa e bi. Bi... de bizarra. Bi de bi mesmo – adorei. E rimos: “Bi de bissexual”.

Quietinha e sã, encolhida nessa cadeira ouvindo alguém dizer que o Roberto Marinho sofreu muito pra chegar onde chegou e tentando planejar as próximas horas pra conseguir sair viva dessa reunião e tomar uma gelada na Keiko em nome do “sofrimento e vitória do Roberto Marinho” antes que sua aula acabe, que o ar me falte e que a paciência finde e eu grite pra esta topeira que muita gente sofreu pr'aquele fascista chegar onde chegou.

Afirmo que não vou passar a noite aqui e pouco tempo depois caio no sono. Acordo as três e ouço a chuva. É um desses momentos que penso que vou te deixar e me apaixono. Apaixonada porque vou embora, você vai ligar e eu não terei coragem de dizer que não quero mais vê-lo. Inventarei desculpas medíocres até que você entenda e pare de ligar e eu pare de sofrer. Talvez nem se importe. “Era só um caso”, você há de dizer.

Ah... nós e nossos “amores tristes”. Três horas e eu me reviro na cama, chove, você dorme, me apaixono, decido te abandonar e durmo de novo.

Três dias depois: Controle Social, Keiko, os sofrimentos do Roberto Marinho, dieta e eu corro pra te encontrar. Você chega com seus presentes loucos e eu só de toalha. Sugestivo.

Podemos optar por uma divisão técnica, o CMS aprova. Naquela piscina foi a mesma coisa e você nem percebeu. Tem reunião na 17ª amanhã. Fiquei comovida com a sua satisfação e a minha melancolia. Esta prestação de contas patética e o CMS também aprova. Caminhada segunda, quarta e quinta. Restrições, meu bem? Não, nenhuma. Tem pera ali na quitanda. “Às vezes, me sinto apaixonada por você... mas, é só às vezes.”

Eis o Controle Social e o auto-controle. De fundo, um samba avisa: “A gente ri, a gente chora e joga fora o que passou”...

Contrai-relaxa-contrai-relaxa-contrai-relaxa.

Enfim, temos (quase) tudo sob controle.


A gente ri, a gente chora

E joga fora o que passou

A gente ri, a gente chora

E comemora um novo amor”

(Novo amor – Roberta Sá. Composição: Edu Krieger)


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O que você quer?


Queremos viver encharcados de literatura, mas também queremos uma metodologia para este projeto que nem existe e já assombra.

Queremos este romance torto que caminha entre a cegueira do dia e as marcas do ontem.

Queremos esta história louca que vai acontecendo do jeito que dá e também queremos fazer no banheiro do bar, meu bem... Dane-se essa gente e o que irão pensar. Sem nobreza e sem virtudes, seguimos derramando nossos amores desbotados e nossos sofrimentos anacrônicos sobre o que nos resta de lucidez as seis da manhã. Entre os trinta anos que nos falta ou que nos sobra, queremos recolher nossos pedaços pelo chão do quarto no dia seguinte, rindo do mistério da origem desse machucado na coxa esquerda e dessa cama quebrada e desse brigadeiro quente com pão que se justifica sobre a mesa. Queremos a loucura e temos um plano terrorista que envolve pole dance e um ônibus, mas ninguém da equipe tem força muscular pra isso.

Queremos um caso que não tenha fome nem memória, só o dia de hoje pra respirar e saudar e colorir e prosear. Queremos um clássico do terror logo mais tarde, cães psicologicamente saudáveis e aulas interessantes pra nos inspirar.

Queremos falar mal do que não sabemos e fazer poesia na mesa do bar.

Queremos a vida feito um samba de Noel.

Queremos citar Nietzsche, Stendhal, Flaubert e Shakespeare como se fossem gírias de uma geração perdida enquanto navegamos em águas mansas e buscamos a noite que logo finda.

A noite-efêmera-feito-nossa-existência. Não há mais tempo, meu bem...

Apenas o silêncio dos nossos bolsos sem perspectivas sexuais.

Não há mais tempo.