quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O mesmo nome


É só esta lágrima que escorre mansa sem expressão de dor, nem músculos da face se contraindo nem nenhuma outra demonstração de sofrimento. É só a mansidão da tristeza certa, sem o desespero da dúvida, sem guerras contra o próprio estômago, sem bebedeiras nem lamúrias porque não vale mais a pena gritar nem brigar nem discutir esse assunto com as amigas pedindo conselhos ou ouvindo opiniões isentas de culpa ou emoção ou amor. É só uma ferida que dói como deve ser a dor dessas cirurgias antigas em dias de chuva.
É só o abandono que vai se fazendo íntimo e a solidão que volta a sentar ao teu lado na beira do rio enquanto você acende um cigarro e sorri comovida ao vê-la depois de tanto tempo chegar assim... meio cerimoniosa para enxugar as tuas lágrimas e dizer que está tudo bem, que tudo isso vai passar antes do que você pensa.
É só a brisa do rio que te acaricia os cabelos e te avisa que a ferida estará sempre no mesmo lugar, você só precisa se acostumar com a dor e com os dias de chuva e com as lágrimas que escorrem furtivas nessas férias em que, de repente, um outro rosto que carrega o mesmo nome te abraça sem perceber e te fala com um carinho descuidado de como pensa que você é e tenta te alcançar para saber de onde vem esta lágrima e pra onde vai este olhar que você mantém fixo no rio enquanto este outro rosto te olha sob o sol que faz a água brilhar e brilhar e brilhar até o horizonte que você não se atreve a encarar agora. Não nesses dias de férias e no meio dessas lágrimas e na presença deste rosto bonito que tenta entender a tua tristeza sem palavras, sem expressão e sem coragem.
Essa tristeza que você vai derramando devagarinho na água esverdeada do rio enquanto a solidão senta sobre as tábuas do velho trapiche entre você e este rosto bonito que carrega o mesmo nome.
E, assim, você sabe que tudo está voltando a ser o que era antes e que nada deveria ter saído do lugar.
Assim, você vai se lembrando de que sempre esteve sozinha e que há de ser assim para sempre e isso te dá um certo conforto...
E, assim, você vai se acostumando de novo com o que sempre lhe foi íntimo e chora a dor do que morre a cada porção de amor e tristeza que vai se misturando à água esverdeada que passa rente aos seus pés.
E você se reconcilia com a solidão que jura nunca mais te abandonar e sorri para o rosto estranho que te olha sem saber que, neste exato momento, você se deixou cair morta e esquecida com toda a tristeza e todo o amor no fundo do rio que brilha sob o sol e acolhe a dor de mais uma ferida velha demais que decidiu nunca deixar de sangrar.
"Você me leva pra comprar cigarro?"
"Levo sim, minha florzinha..."
E você vai, sem deixar de se despedir do rio e de você mesma e do amor que já não se vê sob a água.
E você vai, como uma "florzinha" fraca demais ao lado deste rosto que carrega impunemente o mesmo nome e te abraça como que para se certificar de que você não ficou morta e esquecida com todas as lágrimas e tristezas e amores que derramastes devagarinho junto ao rio.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Pois é...






E, mais tarde, me disseram que Oswaldo Montenegro confessou que o romance de Leo e Bia não deu em nada. Talvez a janela tivesse razão... Tentaram. Tentamos.
"Humanos que são."
"Humanos que somos."

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Enquanto isso... no quarto de algum hotel barato.


Ela: uma janela de madeira branca que se abre para que as luzes da cidade possam invadir o amor no fim da tarde.

Ele: um ventilador escandaloso que atrapalha o sono, mas ajuda bastante neste calor miserável que faz por aqui.

Os dois olham entediados para a cena que se repete. Mais um amor que se consome dentro deste pequeno quarto num hotel barato da capital. É o primeiro dia, a coisa mal começou e a mocinha já está chorando. A janela a critica, mas o ventilador sai em sua defesa dizendo que não há problema nenhum em ser sensível. Conversa longa, olhares felizes, detalhes escancarados aos olhos dos dois amantes que esperaram muito tempo por esse momento. “Tudo igual”, diz a janela, “só muda um pouco o contexto, as frases românticas, as revelações comoventes, o ritmo... No final dessa conversa os dois fazem amor e ela chora de novo, emocionada”. O ventilador a repreende: “Precisa ser tão amarga? Os dois tem futuro, parecem realmente apaixonados. Outros já estariam trepando desde o primeiro minuto. A conversa vai bem, tem entrosamento, sinceridade... ingenuidade até!”

A janela ri: “Isso não vai dar em nada. Logo a mocinha vai embora e essa história morre aqui, bem debaixo dos nossos olhos.”

Três dias vão passando. O ventilador se interessa pelos hóspedes e até se comove: “Veja como estão felizes”. E a janela até acredita que dessa vez pode ser que a história de amor vingue.

Declarações de amor, sexo, sair, mãos dadas, carinho, a dedicatória modesta no livro do Galeano e outra deliciosa em um do Gabo. Mais lágrimas... “Como chora, essa garota. Deus me livre”. Dessa vez, é o ventilador que ri e concorda.

A hora fatídica: despedida. Nem precisa dizer que a mocinha está se desfazendo em lágrimas e o mocinho parece... sei lá, talvez esteja constrangido ou confuso ou profundamente triste. Mas, o rapaz não chora. Abraça a mocinha chorona, diz palavras de conforto e chama a atenção do ventilador e da janela com a frase que marca o desfecho dessa e de todas as outras cenas que se repetem eternamente dentro dos quartos de hotéis baratos: “Em breve eu vou ao seu encontro”.

A janela olha com um sorriso irônico para o ventilador, que parte em defesa do amor mais uma vez: “E eu acredito que ele vai mesmo.”

A janela se concentra na luz deprimente que invade mais este amor que, para ela, acaba de morrer bem ali, debaixo dos seus olhos.

Pelo menos o ventilador ainda acredita e, para ele, o amor fecha a porta e vai embora de mãos dadas para sempre.