terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Enquanto isso... no quarto de algum hotel barato.


Ela: uma janela de madeira branca que se abre para que as luzes da cidade possam invadir o amor no fim da tarde.

Ele: um ventilador escandaloso que atrapalha o sono, mas ajuda bastante neste calor miserável que faz por aqui.

Os dois olham entediados para a cena que se repete. Mais um amor que se consome dentro deste pequeno quarto num hotel barato da capital. É o primeiro dia, a coisa mal começou e a mocinha já está chorando. A janela a critica, mas o ventilador sai em sua defesa dizendo que não há problema nenhum em ser sensível. Conversa longa, olhares felizes, detalhes escancarados aos olhos dos dois amantes que esperaram muito tempo por esse momento. “Tudo igual”, diz a janela, “só muda um pouco o contexto, as frases românticas, as revelações comoventes, o ritmo... No final dessa conversa os dois fazem amor e ela chora de novo, emocionada”. O ventilador a repreende: “Precisa ser tão amarga? Os dois tem futuro, parecem realmente apaixonados. Outros já estariam trepando desde o primeiro minuto. A conversa vai bem, tem entrosamento, sinceridade... ingenuidade até!”

A janela ri: “Isso não vai dar em nada. Logo a mocinha vai embora e essa história morre aqui, bem debaixo dos nossos olhos.”

Três dias vão passando. O ventilador se interessa pelos hóspedes e até se comove: “Veja como estão felizes”. E a janela até acredita que dessa vez pode ser que a história de amor vingue.

Declarações de amor, sexo, sair, mãos dadas, carinho, a dedicatória modesta no livro do Galeano e outra deliciosa em um do Gabo. Mais lágrimas... “Como chora, essa garota. Deus me livre”. Dessa vez, é o ventilador que ri e concorda.

A hora fatídica: despedida. Nem precisa dizer que a mocinha está se desfazendo em lágrimas e o mocinho parece... sei lá, talvez esteja constrangido ou confuso ou profundamente triste. Mas, o rapaz não chora. Abraça a mocinha chorona, diz palavras de conforto e chama a atenção do ventilador e da janela com a frase que marca o desfecho dessa e de todas as outras cenas que se repetem eternamente dentro dos quartos de hotéis baratos: “Em breve eu vou ao seu encontro”.

A janela olha com um sorriso irônico para o ventilador, que parte em defesa do amor mais uma vez: “E eu acredito que ele vai mesmo.”

A janela se concentra na luz deprimente que invade mais este amor que, para ela, acaba de morrer bem ali, debaixo dos seus olhos.

Pelo menos o ventilador ainda acredita e, para ele, o amor fecha a porta e vai embora de mãos dadas para sempre.