sábado, 6 de junho de 2009

O pesadelo


Esta noite acordei com uma sensação estranha. Acendi a luz do quarto e notei ao me olhar no espelho que havia sangue por todo meu corpo.
Assustada, me apressei em descobrir de onde vinha todo aquele sangue. Procurei por baixo do pijama que se colava à minha pele, entre as pernas, na barriga, nas costas... Até que empurrei meus cabelos para trás e pude ver os fios que escorriam incessantemente dos meus ouvidos.
Pensei consternada que as palavras que ouço são realmente muito agressivas para provocar feridas assim.
É que às vezes eu me canso de ser tão perecível.
É que às vezes essas agressões precisam ser expelidas de alguma maneira, mas eu não imaginei que seria uma hemorragia no meio da madrugada.
Sentia o calor dos fios de sangue escorrendo pelas minhas orelhas, sentia o sabor das palavras que ouço descendo pelo meu pescoço, sentia o cansaço das vozes manchadas de sangue e abandono.
Havia muito sangue. A agressão acumulada da semana. O cansaço de todas as vozes do mundo, de todas as discussões improfícuas, de todos os telefonemas ridículos, de todas as saudades inócuas...
Até que os fios de sangue cessaram.
Entendo estes mecanismos.
Às vezes minha mente precisa criar esses pesadelos para curar as feridas da semana.
Isso é o que eu chamo de “mal necessário”.
O pesadelo acabou.
Não há mais sangue.


Tela: "O Pesadelo" (1781), de Henry Fuseli