segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

É Natal


Eu vos agradeço por vossa mediocridade.
Sim, pobreza é um defeito genético e o-por-tu-nis-mo é uma virtude aqui... no país das maravilhas. Parabéns pelo seu esforço e pelas oportunidades que forjou neste mundo tão belo e azul.
Mas, é Natal, sejamos bons e solidários com aquele sujeitinho acomodado que pede uma moeda no sinal. Tenhamos pena das criancinhas que têm fome à noite porque seus pais não quiseram dar-lhes uma vida digna ou não puderam porque são geneticamente des-pre-vi-le-gi-a-dos. Tudo isso é mais indigesto do que esses assuntos microscópicos pra mim.
Porém, eu vos agradeço por este texto e por esta náusea que me sobe a garganta e por este gosto amargo de repulsa por todo este pensamento pequeno-burguês que, além de tudo, se legitima em Deus.
Nosso Deus todo Poderoso que tem um plano para cada um de nós, que fez o mundo assim: com alguns ricos, um montão de pobres e a classe média no meio fazendo o paraíso feder um pouco mais. Que a cerveja nunca nos falte, que a inteligência não nos abandone, que nosso status nunca caia, que nossos carros nunca sejam roubados, que as etiquetas nunca passem despercebidas, que saibamos sempre achar o caminho de volta, pra fora desse mar de exclusão e misérias que nos diverte como um espetáculo circense.
Que nosso Deus Todo Poderoso nunca nos permita errar a nossa parte do texto.
Dai-vos graças por vosso QI!
Louvai o sistema capitalista e suas toneladas de oportunidades.
Perdoai os indigentes e as crianças esfaimadas. Eles sabem o que fazem sim, mas... sejamos todos misericordiosos a semelhança de nosso Pai.
A justiça divina se faz em nossos corações para que possamos viver em harmonia neste mundo de paz e igualdade.
[Desculpem, eu sou contra a harmonia... Prefiro o conflito, o confronto, a revolução, a transformação. Se Jesus Cristo não fosse um revolucionário teria sido complicado criar toda aquela confusão que resultou na maior prova do amor de Deus pela humanidade, lembram-se? Não tem importância. Outra cerveja, por favor!]
Isso não estava no script.
Sorria e seja cordial, meu bem. É uma luta tão inglória quanto todas as outras que você travou ao longo dos seus 23 anos de vida. A única diferença é que aqui você pode se divertir e isso vai te render um texto razoável amanhã.
Eu sei que isso é terrorismo e, na verdade, meus senhores, essa idéia me agrada bastante.
Este confronto de idéias é o que mais me excita. Isso é a total ausência de harmonia e vejam o quanto é bom. Essas pausas constrangidas na sua fala representam o caos que você teme, pois te põe vulnerável e te expõe ao mundo desconhecido de pensamentos diversos, alheios, extremos, opostos, avessos.
Ah! Como somos imaturos se achamos que aquilo em que acreditamos é uma verdade absoluta, imutável, gravada em pedra feito mandamentos mortos de um deus xiita.
Que Deus horrível nós criamos para esconder nossas fraquezas... Isso sim é lamentável. Deus deve estar puto com a imagem que andamos criando Dele por aqui.
[Desculpem de novo... Sei que eu não deveria dizer que Deus está "puto". Acho que este termo não é adequado para eu me referir ao estado de espírito do Todo Poderoso].
Ah! Eu vivo fugindo do script.
Nem com toda fé do mundo eu consigo acertar a minha parte do texto!
Oh, Pai Todo Poderoso – fazei-me educada, cordial e dai-me discernimento para acertar o texto nesta peça tragicômica onde eu represento um delicado fantoche com mãos sedosas, sorrisos meigos, olhares lânguidos e pretensões terroristas.
Amém.


PS: E que a trilha sonora seja razoável.
Amém de novo.


Feliz Natal pra todo mundo.

Um comentário:

Gustavo Santiago disse...

Tinha acabado de sair dum blog dum jornalista que postou algo sobre neoliberalismo e mundo atual. Ai te encontrei no blog do Ricardo e resolvi dar uma olhada. Vi que o título era natal: Já foi logo me dando uma náusea... porque eu detesto essa coisa de solidariedadefalsa de natal. Essa coisa boa que a mídia deu para nós;
E eu não gosto mesmo de natal porque sinto que to ficando mais velho. haha.

Bom guria eu fiquei contente de passar aqui e ler esse texto que me surpreendeu. Simplesmente pelo jeito que tu fala, que é diferente, tem vontade e convcção.
É raro isso.

cheguei até rir:
[Desculpem, eu sou contra a harmonia... Prefiro o conflito, o confronto, a revolução, a transformação. Se Jesus Cristo não fosse um revolucionário teria sido complicado criar toda aquela confusão que resultou na maior prova do amor de Deus pela humanidade, lembram-se? Não tem importância. Outra cerveja, por favor!]

Parabéns pela temática do blog pretendo participar.
abraços do poeta