segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

“Não me leve ao pé da letra... essa história não tem pé nem cabeça”


Recolheu tudo de si que havia em volta, até não restar nem lembrança. Sempre acreditou que essa era a melhor maneira de ir embora. Mesmo que invariavelmente esquecesse algo – um par de brincos, um livro, uma toalha de banho, uma calcinha no varal – gostava de pensar que carregava consigo todo o passado. Afinal, não havia outro motivo para a mochila pesar tanto...

Em todo lugar que vivesse, viveria pensando no momento em que iria embora até chegar o tempo em que já não houvesse para onde ir. É que sempre aprendia, dentro de um restaurante japonês ou em qualquer outro lugar onde não se aprende nada, que não estava apta para tantas promessas. E, mesmo assim, preservava sua aparente saúde mental e passava tempos sem conseguir escrever absolutamente nada para fingir que tudo ficaria bem e que ninguém jamais sentiria saudades, pois todos já haviam se acostumado com esse jeito torto de viver que inventamos para que cada despedida se resuma a um abraço com desejos de sucesso em qualquer outro lugar do mundo. Porque sempre acreditaremos que o sucesso nos espera em qualquer outro lugar do mundo.

As vezes doía um pouco, mas havia sempre uma sensação boa em nos deixar, mesmo que não entendesse porquê. O fato é que ir embora sempre a seduziu, porque em cada lugar que chegasse, antes de tudo – principalmente do sucesso – o que a esperava era a solidão. Os fins de tarde calmos, a música que talvez lhe trouxesse alguma lembrança remota, a sensação de que não há amparo e de que tudo pode ficar assim para sempre. Uma existência anônima e desconhecida que caminha paralela ao resto do mundo, que segue um curso próprio e alheio, que segura as próprias mãos e usa todos os adjetivos do mundo. Sonha com isso como quem dorme um sono feliz onde é possível chorar sem se entupir de qualquer bebida alcoólica... Porque onde está, só consegue chorar embriagada e vive o resto do tempo engasgada e sóbria, com lágrimas atravessadas na garganta e uma sanidade vazia que lhe rouba os verbos.

Basta uma semana para que esqueçamos seu rosto, sua voz e o cheiro do cigarro. Quem disser o contrário estará mentindo.

Basta uma semana para que possamos seguir sem ela, imaginando e/ou desejando que o sucesso a espera em qualquer outro lugar do mundo. E, vez ou outra, poderemos ler seus textos e ficaremos comovidos, mesmo que, na maioria das vezes, eles não tenham pé nem cabeça.


"Society, have mercy on me

Hope you're not angry if I disagree...
Society, crazy indeed
Hope you're not lonely without me..."
(Eddie Vedder - Society)

3 comentários:

Marilu disse...

Querida amiga, e a vida...tem pé e cabeça???? Beijocas

Thales Rafael disse...

Adorei a forma como você conseguiu com uma aguçada sutileza de escritora, captar aqueles momentos em que mudamos radicalmente de vida mas que se travestem de acontecimentos corriqueiros. Pensamentos metafóricos que no fundo são verdades. A mochila que pesa porque carrega todo o passado; o restaurante, palco de tantas promessas. Fato é que você viveu ou não isso, é irrelevante. O texto diz todo o essencial nos mínimos detalhes. E eu que estava achando o texto subjetivo demais, me deparei com a bela letra do Vedder no final cantando Society, cujo álbum e filme com sua trilha são muito bons.

Sempre há um lugar no mundo onde se possa fazer sucesso. Afinal, ele é tão grande! Sempre vamos ao encontro do sucesso em qualquer lugar do mundo. Afinal vivemos na sociedade onde impera ambição. Será foi a pergunta que ficou na minha cabeça. Belo texto, Ana! Lerei mais.

Marilu disse...

As festas natalinas chegaram e mais do que nunca é hora de falarmos de paz, de vivermos em plenitude a mensagem de Cristo; Natal é sinônimo de família, de união de aproximação das pessoas,e quando essas pessoas se sentem próximas é sinal que o sentido do Natal se realizou. Tenha um lindo e abençoado Natal. Beijocas