terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Diálogo


Ele:
- você me ama?
Ela:
- não
Ele:
- o que é então?
Ela:
- sono
Ele:
- por que não tivemos um filho?
Ela:
- porque alguns dos meus órgãos são estéreis
Ele:
- você vai embora?
Ela:
- vou
Ele:
- é tarde
Ela:
- concordo
Ele:
- você vai voltar?
Ela:
- nunca
Ele:
- por quê?
Ela:
- porque meu cigarro acabou
Ele:
- você vai chorar?
Ela:
- talvez
Ele:
- é só ficar
Ela:
- preciso dormir
Ele:
- dorme aqui
Ela:
- não consigo dormir ao seu lado
Ele:
- por que?
Ela:
- porque alguns dos meus órgãos são estéreis
Ele:
- você me amava?
Ela:
- não
Ele:
- o que era então?
Ela:
- era sono
Ele:
- você chorava?
Ela:
- as vezes
Ele:
- onde eu estava?
Ela:
- se escondendo
Ele:
- por que não me chamou?
Ela:
- porque meu cigarro acabou
Ele:
- você vai voltar?
Ela:
- nunca
Ele:
- por que?
Ela:
- não consigo dormir ao seu lado.
Ele:
- vou chorar
Ela:
- vou me esconder
Ele:
- está se vingando?
Ela:
- estou aprendendo
Ele:
- vou sentir saudades
Ela:
- vou dormir.
Ele:
- vou atrás de você
Ela:
- concordo
Ele:
- é tarde?
Ela:
- não
Ele:
- você vai voltar?
Ela:
- talvez
Ele:
- por que?
Ela:
- porque alguns dos meus órgãos são estéreis
Ele:
- pare de fumar
Ela:
- por que?
Ele:
- porque o cigarro pode te matar
Ela:
- você também
Ele:
- concordo
Ela:
- você me ama?
Ele:
- não sei
Ela:
- não disse?
Ele:
- o que?
Ela:
- você também pode me matar
Ele:
- se eu disser que te amo, você fica?
Ela:
- não
Ele:
- por que?
Ela:
- porque alguns dos meus órgãos são estéreis.

5 comentários:

Gabriel Santos de Araújo disse...

Diálogo do acidente, do descarte, da voz emancipando o estopim da rolha. Diálogo do logo. Diálogo sem espera - inventado a cada res(piração). Diálograr o outro para que Ele(a) se insinue na dobra de outra enunciação. De repente em dobra nos insinuamos... será uma visão do estéril? Ou do coofazer?
Eu: Você anoitece vez em outra na pele esmaltada?

Poeta Mauro Rocha disse...

Que diálogo, quanto egoísmo, temos tantas opções e o amor fica de lado esperando ou simplesmente acorda e vai de encontro a outro amor.

Texto refletivo, tenho que ler novamente, talvez veja algo diferente.

Gabriel Santos de Araújo disse...

A Ex(finge) insimesmada de si casou-se com o vidraceiro que prometeu um espelho no qual apenas a Ex(finge) apareceria envidraçada. Ela jamais desconfiou que o vidraceiro era alguém muito possessivo. Assim a Ex(finge) permanece fingida em si.

Gabriel Santos de Araújo disse...

A Ex(finge)demora sua imagem no vidro, e como se fosse uma madeira solta no tempo despossuindo as aparas para o úmido, o sol... a Ex(finge) perde qualquer coisa da materialidade da imagem. E fingindo ainda ter a imagem no vidro a Ex(finge)liberta-se. Quando o vidraceiro percebe algo de vago no vidro entende o ocorrido. Então rapidamente tenta apreender os gestos da Ex(finge, sua disposição na sombra e seu recolhimento.
Após alguns dias de confinamento e combinações o vidraceiro encontra uma sequencia de imangens aproximadas. Assim passa os próximos dias tentando apreender o fingir, rasurando nos vidros suas imagens até que seus gestos não combinem com movimentos.

Gabriel Santos de Araújo disse...

Não tem como se desfazer de algo por completo. o que nos toma no presente está repleto de filigramas de outras coisas. só somos por isso. Tem um poema do Drummond "Ausência" que foi escrito para a poeta Ana Cristina César. É muito belo. Aquilo que parece se postar esmaltado, quieto, fundo e que deixamos - está no nosso corpo. quando somos refratamos tudo que já fomos. Acho que a Ex(finge) deixou e leva a mesma coisa.