domingo, 15 de fevereiro de 2009

E também pode ser assim:


Ele joga o cinzeiro contra a parede e diz que há tempos queria quebrá-lo e nunca mais sentir o maldito cheiro de fumaça dentro daquela casa.
Ela arremessa o relógio que ele ganhou de presente do irmão mais velho e grita todos os palavrões que deixam os vizinhos escandalizados.
Estão quase cometendo um assassinato.
Ele a acusa de negligência.
Ela o acusa de apatia.
Ele apenas acusa.
Ela xinga. Aos gritos.
É um deus nos acuda.
Ela diz que está levando apenas seus livros e CDs e que o que ficar pra trás ele pode enfiar num lugar que estarrece os vizinhos.
Ele odeia aqueles palavrões. Odeia.
Ela sabe disso.
Ele levanta o braço para dar-lhe uma tapa e ela oferece o rosto como se fosse para um carinho.
Os lábios dele se contraem de raiva e o estômago dela dói de amor.
É uma luta inglória.
Ele se afasta e ela o manda para o inferno.
Lá vem um novo festival de palavrões.
Ele a manda calar.
Ela obedece e acende um cigarro.
Ele apenas observa e recomeça o circo assim que ela joga as cinzas no chão.
Quem mandou você quebrar o meu cinzeiro?
Como ele pôde viver tanto tempo com alguém tão detestável?
Ele é sensato.
Ela é histérica.
Ele não vê a hora que ela vá embora para que os vizinhos possam dormir.
Ela prolonga exaustivamente aquela aflição.
Fodam-se os vizinhos. Já os viram e ouviram em situações muitos mais ultrajantes para os olhos de quem não está participando.
Ele não a ama, por isso os gritos não fazem sentido.
Ela o ama profundamente, por isso não faz sentido ir embora sem antes gritar e quebrar todos os objetos que ele preza e berrar todos os palavrões que ele odeia.
Ele quer ficar sozinho.
Ela quer que seja assim: um deus nos acuda.
Principalmente para os vizinhos.

A tela é do Munch.

2 comentários:

Poeta Mauro Rocha disse...

Que jogue a primeira pedra quem não se sentiu assim.

Anônimo disse...

Essas coisas costumam ser um deus nos acuda, mesmo que ninguém externe.

Gostei daqui. :)