sexta-feira, 3 de julho de 2009

Silêncio


Nós tínhamos uma vida bem tranquila. Pouco tempo juntos em cada dia de cansaço e som e raiva e vitórias ínfimas e cafés amargos e cigarros silenciosos e noites pequenas.
Nós tínhamos uma vida bem cega juntos...
Duas solidões dividindo um espaço pequeno em um ambiente gigantesco habitado pela nossa ausência.
Era pacífico... as músicas foram testemunhas disso.
Era constrangedor... minha cama também sabia.
Era bom... ainda está na minha pele.
Era estranho... estávamos lá.
Os primeiros dias foram difíceis, depois ficou insustentável e em seguida nós paramos de pensar nisso.
Nunca estávamos sozinhos - havia a literatura e o conhaque por (boa) companhia.
Algumas noites dormíamos juntos - outras, estávamos bem demais para isso.
Conversávamos... ou ficávamos em silêncio quando a solidão gritava tão alto que ficava impossível ouvir a voz um do outro.
Viver era algo quase imperceptível.
Contávamos nossos sonhos, observávamos nossos hábitos e vícios impregnados nas paredes e nunca mais pensamos em nada.
Sinais sutis determinavam movimentos, silêncios longos se transformavam em mãos estendidas, tons de voz eram abraços e olhares eram permissões tácitas.
Viver era bem escorregadio.
É sempre igual quando subo as escadas e me preparo para respirar o ar que só nós respiramos e sentir o cheiro que só nós sentimos e observar os hábitos e vícios que só nós impregnamos naquelas paredes.
Era um outro mundo. Uma dimensão à parte da vida que de tão carregadas de nós dois parecia existir só dentro da gente.
Viver era bem agonizante.
Amávamos dolorosamente cada canto e objeto daquele lugar insólito.
Vivíamos letárgicos cada momento sem cor.
Estou subindo as escadas e tudo isso me acompanha em cada degrau e a vizinha me diz "bom dia" como quem vê a cor desbotada dessas lembranças e o gosto de tudo isso se parece bastante com saudade e os cheiros e vícios e hábitos continuam lá, impregnados.
Minha pele sabia.
Só a solidão deixou de gritar.

3 comentários:

Dani Santos disse...

É sempre preciso respirar forte, buscar o ar quando se chega ao fim dessa escada ou da leitura disso que é feito de palavras peles e ar impregnado de sentir, viver e ser, seja ausência ou a cor desbotada que ficará nos livros, nos cds compartilhados ou nas pontas do cigarro. Vir aqui é um mergulho em água funda e forte. às vezes falta ar, às vezes há pouco corpo ou coragem pra sentir todo esse viver que escorrega, se esparrama, invade e impregna todos os espaços por onde adentras. por vezes dói. esses fragmentos de amanhãs e de ontens.

Abraços grande e força. a cada dia.

Monique Frebell disse...

Penso que não há dor maior do que a do abandono e do silêncio vazio que ele deixa.

BJus!

Zé, de sobrenome Forner disse...

Viu, a minha identificação com suas palavras me assustam...