domingo, 9 de setembro de 2012

Espaço público


Eles sabiam exatamente onde queriam chegar até o momento em que se viram absolutamente fatigados em uma cidade barulhenta do sul ou do leste ou totalmente perdida no fundo do medo de cada um. Nunca mais voltaram. Dormiram o sono alheio de cimento e lua, comeram os restos do banquete real com as bocas cheias de espuma da loucura inventada por outros escribas, de outras linhagens, mortos de outras fomes e duas ou três satisfações de guerras antigas. E anoiteceram e amanheceram procurando mais uma lua e mais um sol, e choveram cansaços, mijaram mentiras, mastigaram nostalgias e cozinharam um esquecimento salgado de lágrimas sórdidas, feijão com arroz, cachaça e adeus – nunca mais voltaremos porque somos fortes. Verdadeiramente fortes. Guerreiros sagrados do amanhã. Ouviram causos e cantigas de roda picados pelo encantamento da morte e sorrisos e estrelas coloridas. Acordaram sem cabeça, condenados a um mundo para sempre sem silêncio como castigo por terem engolido aqueles comprimidinhos em uma festa tão estranha; porra, me deixa dormir; cefaléia, estado febril e trouxeram a paz de volta debaixo de pancadas os gloriosos guerreiros sagrados do porvir com suas olheiras profundas e seus maus-humores de uma sede milenar. Viram os homenzinhos que não nasceram de suas mães mas que brotaram das profundezas da terra criarem um mundo de histórias inventadas no alto da montanha mais alta em madrugadas de violão e abraços e romantismos anacrônicos isentos de sobriedade e de onde você veio, meu bem; do sul; das profundezas do chão eu vim, sabia; do fundo da terra, brotamos e viramos essas luzinhas que tu estás vendo lá embaixo; morrendo no meio do caminho; aos pedaços – que coisa horrível, meu bem... mas, de onde você veio mesmo? Não importa! Importa é para onde vamos; para onde olhamos; olha! um fantasma sentado no capô do carro; quer maconha; quer ver as luzinhas lá embaixo e levantar as saias das moçoilas distraídas. Não tememos nada porque somos corajosos. Verdadeiramente corajosos. Guerreiros sagrados de merdinha nenhuma. Abraçaram-se e choraram um chorinho coletivo de frio e saudades; do nunca mais voltaremos porque não sabemos como voltar; fugindo dos fantasmas maconheiros que passeiam pela montanha mais alta resmungando que parem-com-essa-porra-de-violão-que-isso-já-me-encheu! E se encheram de luz e de fumaça e de música e se fizeram felizes e se amaram e contaram um ao outro histórias infames que todos já conheciam apenas pelo prazer de ouvi-las das bocas uns dos outros; lamentando versos pela metade porque ninguém lembra a letra da música e ninguém sabe onde o sol nasce e se deram as mãos e voaram mandando à merda o fantasma de suas solidões cem vezes alardeadas na praça central. Guerreiros profanos de uma madrugada qualquer.


Tela de Jacek Yerka

3 comentários:

Poeta Mauro Rocha disse...

Ola Ana Paula!!

Ótimo texto. E viva a juventude eterna.

Tenha uma ótima semana.

Bjs.

Um brasileiro disse...

Oi. Tudo blz? Aqui estive dando uma espiada e lida rapida. Muito legal seu texto. Apareça por la. Abraços.

Nicolas (do you remember?) disse...

Muito bom o texto!