Eles sabiam exatamente onde
queriam chegar até o momento em que se viram absolutamente fatigados em uma
cidade barulhenta do sul ou do leste ou totalmente perdida no fundo do medo de
cada um. Nunca mais voltaram. Dormiram o sono alheio de cimento e lua, comeram
os restos do banquete real com as bocas cheias de espuma da loucura inventada
por outros escribas, de outras linhagens, mortos de outras fomes e duas ou três
satisfações de guerras antigas. E anoiteceram e amanheceram procurando mais uma
lua e mais um sol, e choveram cansaços, mijaram mentiras, mastigaram nostalgias
e cozinharam um esquecimento salgado de lágrimas sórdidas, feijão com arroz, cachaça
e adeus – nunca mais voltaremos porque somos fortes. Verdadeiramente fortes.
Guerreiros sagrados do amanhã. Ouviram causos e cantigas de roda picados pelo
encantamento da morte e sorrisos e estrelas coloridas. Acordaram sem cabeça,
condenados a um mundo para sempre sem silêncio como castigo por terem engolido
aqueles comprimidinhos em uma festa tão estranha; porra, me deixa dormir;
cefaléia, estado febril e trouxeram a paz de volta debaixo de pancadas os
gloriosos guerreiros sagrados do porvir com suas olheiras profundas e seus
maus-humores de uma sede milenar. Viram os homenzinhos que não nasceram de suas
mães mas que brotaram das profundezas da terra criarem um mundo de histórias
inventadas no alto da montanha mais alta em madrugadas de violão e abraços e
romantismos anacrônicos isentos de sobriedade e de onde você veio, meu bem; do
sul; das profundezas do chão eu vim, sabia; do fundo da terra, brotamos e
viramos essas luzinhas que tu estás vendo lá embaixo; morrendo no meio do
caminho; aos pedaços – que coisa horrível, meu bem... mas, de onde você veio
mesmo? Não importa! Importa é para onde vamos; para onde olhamos; olha! um
fantasma sentado no capô do carro; quer maconha; quer ver as luzinhas lá
embaixo e levantar as saias das moçoilas distraídas. Não tememos nada porque
somos corajosos. Verdadeiramente corajosos. Guerreiros sagrados de merdinha
nenhuma. Abraçaram-se e choraram um chorinho coletivo de frio e saudades; do
nunca mais voltaremos porque não sabemos como voltar; fugindo dos fantasmas
maconheiros que passeiam pela montanha mais alta resmungando que parem-com-essa-porra-de-violão-que-isso-já-me-encheu! E se encheram de luz e de
fumaça e de música e se fizeram felizes e se amaram e contaram um ao outro histórias
infames que todos já conheciam apenas pelo prazer de ouvi-las das bocas uns dos
outros; lamentando versos pela metade porque ninguém lembra a letra da música e
ninguém sabe onde o sol nasce e se deram as mãos e voaram mandando à merda o
fantasma de suas solidões cem vezes alardeadas na praça central. Guerreiros profanos
de uma madrugada qualquer.
Tela de Jacek Yerka
3 comentários:
Ola Ana Paula!!
Ótimo texto. E viva a juventude eterna.
Tenha uma ótima semana.
Bjs.
Oi. Tudo blz? Aqui estive dando uma espiada e lida rapida. Muito legal seu texto. Apareça por la. Abraços.
Muito bom o texto!
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