sábado, 29 de março de 2014

Fábula francesa

Naquela tarde quente em que se encontraram com tanta solenidade, o mundo se transformara todo em músicas de notas simples. Descobriram que todos os afetos podiam ser afáveis e emitiram um pedido de desculpas constrangido a si mesmos pelas agressões veladas que aceitaram em esforços passados de serem politicamente corretos, graves demais ou semelhantes a alguns exemplares afetados da humanidade.
Definiram os termos da mais completa simplicidade de suas relações e elegeram o carinho gratuito como única forma aceitável de tratamento entre pessoas que se abraçam (mesmo que eventualmente).
Discutiram longamente a base desse não-contrato entre seres imaginários que desvendaram um jeito real de existirem em um mundo cão.
- Seremos afetuosos, cultos e distraídos.
Como seres naturais, estavam dispostos a não compreenderem a complexidade dos impulsos de afastamento, hostilidade ou resistência, salvo em exceções bem delimitadas de opressão, mediocridade ou grandes oscilações hormonais. De resto, seriam leves como os movimentos de mãos que regem uma orquestra urbana de poesia e sexo.        
As diretrizes desse programa perturbador foram cantadas em ritmo de valsinha com um leve sotaque francês por três vozes suaves acompanhadas por instrumentos clássicos incontestáveis:
 - Um convite feito com um fio de voz.
 - Um pedido objetivo.
 - Uma porta entreaberta.
Não havia impedimentos, orientações ou processos dolorosos de descoberta ou crescimento. Seriam para sempre pequenos, hedonistas e plenos de amor...
 - ... e sexo.

Estava instituído o estado permanente de empatia e encantamento entre seres imaginários que se encontram em um domingo a tarde deste mundo cão.


Para K. 

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